quinta-feira, 24 de março de 2011

III Domingo Quaresma A

Naquele tempo, chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José, onde estava o poço de Jacob. Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-Me de beber». Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. Respondeu-Lhe a samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?». De facto, os judeus não se dão com os samaritanos. Disse-lhe Jesus: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva». Respondeu-Lhe a mulher: «Senhor, Tu nem sequer tens um balde e o poço é fundo: donde Te vem a água viva? Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus rebanhos?». Disse-lhe Jesus: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna». «Senhor, – suplicou a mulher – dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la. Vejo que és profeta. Os nossos pais adoraram neste monte e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar». Disse-lhe Jesus: «Mulher, acredita em Mim: Vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos Judeus. Mas vai chegar a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-l’O em espírito e verdade». Disse-Lhe a mulher: «Eu sei que há-de vir o Messias, isto é, Aquele que chamam Cristo. Quando vier há-de anunciar-nos todas as coisas». Respondeu-lhe Jesus: «Sou Eu, que estou a falar contigo». Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus, por causa da palavra da mulher. Quando os samaritanos vieram ao encontro de Jesus, pediram-Lhe que ficasse com eles. E ficou lá dois dias. Ao ouvi-l’O, muitos acreditaram e diziam à mulher: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo». Jo 4, 5-15.19b-26.39a.40-42

Caros amigos e amigas, a história da samaritana é a nossa história, feita de sedes, de encontros e de amores. É também a metáfora do nosso itinerário de fé. Jesus, com delicadeza e pedagogia, vem ao nosso encontro, chama-nos, fala-nos de fontes em plenitude e desperta em nós sonhos e mistérios esquecidos.

“Dá-me de beber”!
A samaritana, mulher de vários amores, vivia ainda no deserto do amor. Mas, no poço de Sicar, ela encontra o Esposo que procura a esposa perdida, vê o noivo que busca a humanidade sedenta, para a saciar.
É um Deus inesperado aquele que se apresenta junto ao poço da nossa vida, na pele de um viajante cansado. É um Deus sem pudor que vem à procura, toma a iniciativa e interpela. É um Deus com sede de nós, da nossa fé, da nossa atenção, do árido cântaro do nosso coração. Um Deus que se faz pobre e pedinte para saciar a nossa pobreza e educar a nossa sede.

“Se conhecesses o dom de Deus”!
Jesus cruza o olhar da mulher com um sorriso que não condena, não humilha, apenas ama. Fá-la nascer de novo e ela abandona o cântaro como se fosse um trapo velho. Jesus não nega à samaritana as pequenas alegrias do caminho, não desencanta a vida, não lhe rouba o sonho e a poesia. Apenas mostra que essas não chegam para saciar uma sede maior, que essas não são suficientes porque o coração é maior do que muitos oceanos. Jesus faz nascer nela a sede de céu, a fome de eternidade; fá-la passar do pequeno cântaro para a fonte da vida. Ele pede-lhe água e nela acende o fogo do amor de Deus. Ali no coração, verdadeira cidade santa, onde se adora em “espírito e verdade”. Nunca ninguém lhe tinha dito que ela era um templo divino de amor. O mundo tinha-se dividido entre quem a usava e quem a condenava. Mas Jesus é aquele que não fecha ninguém nos seus falhanços, mesmo que mais numerosos do que os maridos da samaritana, mas é fonte de natividades e de futuro, para que também nós cheguemos ao poço como mendigos de água, mas andemos ao encontro dos outros como pedintes do céu.

Ser fonte de água viva
A mulher de Samaria vai com um cântaro ao poço, mas regressa a casa e à cidade como uma nascente, como discípula, como epifania do rosto de Deus. Também nós temos de esquecer os cântaros velhos, as vidas que contém tão pouco, tão opacas e vazias, para correr a contar a todos acerca de um Senhor que faz levantar o olhar e faz brotar em nós, numa espiral de vida, uma primavera de esperança.
O dom de Deus não é ter um cântaro maior, nem é um poço mais profundo, mas é uma “água viva que se torna fonte para a vida eterna”. A fonte é água que se dá para a sede dos outros. A fonte é fecundidade, vida, abundância. O projecto de Deus é que cada um de nós seja fonte, para as sedes e ardores dos outros, com a delicadeza de um enamoramento divino. E isso, caros amigos, é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Em cada sede, quero saborear o dom, a novidade do Espírito Santo em mim.

REZAR A PALAVRA
Senhor, fonte que responde a todas as minhas sedes: dá-me de beber!
É a tua água viva que quero que flua na composição orgânica da minha vida. Abre-me ao manancial de ressurreição que me brota desde a fonte baptismal.
Vem, torrente do Amor, da Verdade, da Alegria... da Salvação,
vem lavar-me da velhice do egoísmo e permitir-me a juventude de amar,
de tornar-me fonte também; vem seduzir-me a adoração que o Pai deseja.

sexta-feira, 18 de março de 2011

II Domingo Quaresma A

Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os, em particular, a um alto monte e transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. Pedro disse a Jesus: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra, e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». Ao ouvirem estas palavras, os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito. Então Jesus aproximou-Se e, tocando-os, disse: «Levantai-vos e não temais». Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus. Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem: «Não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do homem ressuscitar dos mortos». (Mt 17, 1-9)

Caros amigos e amigas, o relato da transfiguração indica a beleza do mistério da vida e a nossa identidade de filhos. A experiência do esplendor de Deus, naquela intimidade onde as palavras essenciais bastam e a vida resplandece, prepara-nos para o escândalo amoroso da cruz.

Do deserto ao Tabor
Jesus toma consigo três discípulos e sobe ao monte, ali onde o dia amanhece mais cedo e se pousa o último raio de sol. Ali, Ele faz resplandecer a existência, reacende a chama das coisas, faz luzir o amor, dá esplendor aos encontros. Ainda hoje, o Mestre nos convida também a passar dos nossos desertos para aqueles lugares de luz, de encontro, de beleza e harmonia. Mesmo se alternamos trevas e luz, sombras e sol, tentação e transfiguração, estamos destinados àquela beleza que une as pessoas, a lei, os profetas, a Escritura e o universo. A nossa vocação está em libertar toda a beleza que Deus colocou em nós. No caminho ascendente do Tabor, o rosto do outro é uma lâmpada que ilumina os meus passos quando, nas suas vestes e na sua vida, descubro sementes de ressurreição.

“Como é bom estarmos aqui”!
Sim, é bom estar ali onde o mistério da pessoa brilha e ilumina, onde as palavras revelam os tesouros do coração, onde a Palavra chama, faz existir, floresce a vida e a torna bela.
Sim, é bom estar ali onde o céu encontra a terra, o tempo a eternidade, onde a história converge toda num momento. É belo estar ali onde Deus e o homem se descobrem, onde a fragilidade humana vê a glória divina, onde o Pai pronuncia intimamente o nome do Filho.
Sim, amigos, é belo estar aqui, nesta humanidade grávida de luz que se vai transfigurando! É belo ser de Cristo e saber que não é a tristeza a nossa verdade, mas é a luz. A partir do monte luminoso da alma, uma história de luz transparece no rosto de quem acolhe o tesouro do outro. A contemplação do rosto de Cristo, ícone da beleza de Deus, ensina-nos a beleza que salva o mundo!

Transfigurados na beleza do Amor
Como Pedro também nós gostaríamos de acampar na montanha das nossas solidões e preguiça, e não descer ao vale da vida para enfrentar o cansaço da conversão e o escândalo da cruz. Mas Jesus recorda que há sempre uma luz antes da escuridão, que há uma transfiguração antes da crucifixão, para que no meio de qualquer escuridão permaneça a experiência e a recordação da luz, da palavra e da presença de Deus.
Dos três discípulos, apenas João, nas trevas do calvário, procurará entrever através dos furos dos pregos a luz gloriosa da ressurreição e, no corpo desfigurado do crucificado, procurará ver o sublime rosto de Deus. Naquela tarde, recordando a voz do Tabor, o discípulo amado reconhecerá nas palavras do centurião a verdadeira identidade do moribundo: “Ele é o Filho de Deus”. E isso, caros amigos, é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Ante os sinais que, cada dia, o Senhor me proporciona, quero escutar a sua voz reveladora.

REZAR A PALAVRA
Senhor, como é bom estarmos aqui!
No monte do segredo onde palpita a beleza do teu amor,
na presença do mistério que revela a realeza da tua missão,
na surpesa da palavra que sustenta a vontade do teu projecto.
Senhor, como é bom estarmos aqui!
Na nuvem do eterno que abraça o meu ser vazio e sedento,
na tenda da história que abriga o meu viver vacilante e incerto,
na planície do medo que questiona a minha entrega total e progressiva.
Senhor, como é bom estarmos aqui!

quinta-feira, 10 de março de 2011

I Domingo Quaresma A


Naquele tempo, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo Diabo. Jejuou quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe: «Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’». Então o Diabo conduziu-O à cidade santa, levou-O ao pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, pois está escrito: ‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’». Respondeu-lhe Jesus: «Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’». De novo o Diabo O levou consigo a um monte muito alto, mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a sua glória e disse-Lhe: «Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares». Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto’». Então o Diabo deixou-O, e aproximaram-se os Anjos e serviram-n'O.» (Mt 4, 1-11)

Caros amigos e amigas, encontramo-nos na Quaresma rumo à Páscoa. Este tempo é de redescoberta da intimidade, da presença e da escuta do segredo divino: “conduzi-te ao deserto para te falar ao coração” (Oséias). E aí reavivar a nossa identidade e vocação de filhos de Deus.

Ser “conduzido pelo Espírito ao deserto”
O deserto não é apenas um lugar, mas é também uma metáfora da vida. Os desertos são lugares vazios de pessoas e de encontros. Contudo ali, onde aparentemente tudo grita uma aridez mortal e ninguém vive, está Deus. Ali, onde faltam as referências de orientação, onde o vento apaga as pegadas na areia, onde as miragens adulteram a verdade das coisas, pode-se todavia ainda viver da fé e experimentar o amor divino! “O deserto é Deus, o silêncio é a sua palavra. E o peregrino alimenta-se desta palavra” (provérbio Tuareg). Deus habita o nosso deserto, contagiado pela sublime folia da cruz!
Se, por um lado, o deserto é símbolo de vazio, sede e fome, renúncia de comodidades, por outro lado, indica uma liberdade desmesurada, a descoberta de um silêncio que é escuta, a capacidade de estar sozinho sob o olhar claro e amoroso de Deus. Ali, Ele toca-nos com o seu amor.

“Se és Filho de Deus”
As três tentações metem em jogo a relação filial de Jesus com o Pai, são um desafio entre dois projectos, são uma escolha entre dois amores. As tentações são a divisão do nosso coração feito de cinzas e de luz, são um convite a alimentar-se só de pão, a contentar-se com a própria história, a viver sem sonhos, a silenciar a voz de Deus. O silêncio é então quebrado por aquela insinuação diabólica que gostaria de minar a nossa confiança no Amor: “se és filho, onde está o teu Deus”? Todos sabemos que somos mendigos de pão, mas não podemos esquecer que somos também pedintes do céu e da eternidade, pobres da beleza e do amor. Doutro modo, a vida é uma saca cheia de pedras que se tornaram pão duro e amargo, e contentamo-nos com uma realidade estéril, fecunda só de desilusões e incapaz de alimentar as fomes da existência.

“Está escrito”
Nas três tentações Jesus convoca Deus ao seu lado e cada sua resposta é silabada e gritada com o alfabeto da Palavra de Deus: “está escrito...!”, está gravado no coração! Porque o que se escreve permanece, é promessa, é realidade! Ele sabe que não está só; é filho de um Pai que nunca o abandona.
O grande engano é acreditar que o tesouro da vida esteja num naco de pão, na folia do poder ou no excesso de sucesso. O engano é acreditar que assim se pode eliminar a fome do céu e de paz, a fome de justiça e de beleza. O maior engano é servir-se da vida caminhando nas palmas de anjos, sem avançar como crianças confiantes apenas na força com que nos aperta o abraço do Pai.
É com o fôlego da Sua palavra na minha boca, com o seu sopro vital no meu respiro, com o seu beijo criador no frágil barro de que somos feitos, que se atravessam as tentações.
Jesus não dialoga com o Diabo, mas contrapõe sempre um amor maior. O pão é bom e necessário, sacia o estômago, mas Deus sacia a vida. Por isso, “não tentarás Deus”! Ele está presente, mesmo quando cais dos pináculos vazios da vida. Talvez não como nós queremos, mas à sua maneira. E não para evitar a queda, mas para ajudar a erguer e a continuar. E aí fazer florescer o deserto. Isso, caros amigos, é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Em cada investida da tentação, quero tactear a presença de Deus e n’Ele firmar a luta contra o mal.

REZAR A PALAVRA
Senhor, o pecado dispersa-me. Vem habitar as contradições do meu deserto.
Visita a minha fragilidade, areia vulnerável e volúvel, e firma-me no amor;
desmascara os mais recônditos abrigos do mal e a astúcia da tentação...
Contra a fome de possuir, educa-me no pão da Palavra e na saciante partilha;
contra o orgulho e a vaidade, alimenta-me da tua fidelidade amorosa;
contra a sede de dominar, dessedenta-me na alegria de um serviço generoso.
Quero aceitar a Vida que me destinas e que escorre do teu amor sem fim,
libertar-me do jugo do ‘eu’, orientar para ti a corrente da minha adoração.
Agradeço-te, Senhor, a doçura da tua misericórdia que me dá confiança...

terça-feira, 8 de março de 2011

Da Mensagem do Papa Bento XVI para a Quaresma 2011


Para empreender seriamente o caminho rumo à Páscoa e nos prepararmos para celebrar a Ressurreição do Senhor – a festa mais jubilosa e solene de todo o Ano litúrgico – o que pode haver de mais adequado do que deixar-nos conduzir pela Palavra de Deus?

O primeiro domingo do itinerário quaresmal evidencia a nossa condição de homens nesta terra. O combate vitorioso contra as tentações, que dá início à missão de Jesus, é um convite a tomar consciência da própria fragilidade para acolher a Graça que liberta do pecado e infunde nova força em Cristo, caminho, verdade e vida. É uma clara chamada a recordar como a fé cristã implica, a exemplo de Jesus e em união com Ele, uma luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso». Cristo disso sai vitorioso, para abrir também o nosso coração à esperança e guiar-nos na vitória às seduções do mal.

No segundo domingo a comunidade cristã toma consciência de ser conduzida, como os apóstolos Pedro, Tiago e João, «em particular, a um alto monte». É o convite a distanciar-se dos boatos da vida quotidiana para se imergir na presença de Deus: Ele quer transmitir-nos, todos os dias, uma Palavra que penetra nas profundezas do nosso espírito, onde discerne o bem e o mal (cf. Hb 4, 12) e reforça a vontade de seguir o Senhor.

O pedido de Jesus à Samaritana: «Dá-Me de beber» (Jo 4, 7), que é proposto na liturgia do terceiro domingo, exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso coração o desejo do dom da «água a jorrar para a vida eterna». Só esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, «enquanto não repousar em Deus», segundo as célebres palavras de Santo Agostinho.

O quarto domingo, do cego de nascença, apresenta Cristo como luz do mundo. O Evangelho interpela cada um de nós: «Tu crês no Filho do Homem?». «Creio, Senhor» afirma com alegria o cego de nascença, fazendo-se voz de todos os crentes. O milagre da cura é o sinal que Cristo, juntamente com a vista, quer abrir o nosso olhar interior, para que a nossa fé se torne cada vez mais profunda e possamos reconhecer n’Ele o nosso único Salvador. Ele ilumina todas as obscuridades da vida e leva o homem a viver como «filho da luz».

No quinto domingo da quaresma, a liturgia da palavra apresenta-nos a comunhão com Cristo nesta vida que nos prepara para superar o limite da morte, para viver sem fim n’Ele. A fé na ressurreição dos mortos e a esperança da vida eterna abrem o nosso olhar para o sentido derradeiro da nossa existência: Deus criou o homem para a ressurreição e para a vida, e esta verdade doa a dimensão autêntica e definitiva à história dos homens, à sua existência pessoal e ao seu viver social, à cultura, à política, à economia.

Através das práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, expressões do empenho de conversão, a Quaresma educa para viver de modo cada vez mais radical o amor de Cristo.
O Jejum, adquire para o cristão um significado profundamente religioso: tornando mais pobre a nossa mesa aprendemos a superar o egoísmo para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso «eu», para descobrir Alguém ao nosso lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos.

Em todo o período quaresmal, a Igreja oferece-nos com particular abundância a Palavra de Deus. Meditando-a e interiorizando-a para a viver quotidianamente, aprendemos uma forma preciosa e insubstituível de oração, porque a escuta atenta de Deus, que continua a falar ao nosso coração, alimenta o caminho de fé que iniciámos no dia do Baptismo.

O itinerário quaresmal, no qual somos convidados a contemplar o Mistério da Cruz, é «fazer-se conformes com a morte de Cristo» (Fl 3, 10), para realizar uma conversão profunda da nossa vida: deixar-se transformar pela acção do Espírito Santo, como São Paulo no caminho de Damasco; orientar com decisão a nossa existência segundo a vontade de Deus; libertar-nos do nosso egoísmo, superando o instinto de domínio sobre os outros e abrindo-nos à caridade de Cristo.
O período quaresmal é momento favorável para reconhecer a nossa debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a Graça renovadora do Sacramento da Penitência e caminhar com decisão para Cristo.

Renovemos nesta Quaresma o acolhimento da Graça que Deus nos concedeu no Baptismo, para que ilumine e guie todas as nossas acções.

Tempo para deus, Quaresma

sexta-feira, 4 de março de 2011

IX Comum A - Uma casa de palavras e de gestos

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Nem todo aquele que Me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos Céus, mas só aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus. Muitos Me dirão no dia do Juízo: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizámos e em teu nome que expulsámos demónios e em teu nome que fizemos tantos milagres?’ Então lhes direi bem alto: ‘Nunca vos conheci. Apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniquidade’. Todo aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as torrentes e sopraram os ventos contra aquela casa; mas ela não caiu, porque estava fundada sobre a rocha. Mas todo aquele que ouve as minhas palavras e não as põe em prática é como o homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as torrentes e sopraram os ventos contra aquela casa; ela desmoronou-se e foi grande a sua ruína». (Mt 7, 21-27)

Caros amigas e amigos, as palavras de Jesus são transparentes, intuitivas e não precisam de muitas explicações. A fé não é um talk-show, uma academia de sábios ou uma encenação de actores, mas é uma questão de amor! O Evangelho convida-nos hoje a dar um rosto ao Evangelho, pondo-o em prática.

Escutar, dizer e fazer
Admiramos talvez a beleza das palavras de Jesus, mas estas roçam os nossos lábios e deixam insensível o coração. Pronunciámo-las sem que a vida esteja apaixonada, quais castelos de areia com esplêndidas fachadas mas sem alicerces na vida, quase uma maquilhagem superficial do Evangelho.
Jesus bem sabe das incoerências e infidelidades dos discípulos e, contudo, pede uma continuidade entre a escuta e a vida, uma sintonia entre o escutar, o dizer e o fazer. Não bastam as belas palavras, nem a intenção de uma perfeita vida religiosa, nem os gestos heróicos e miraculosos. O Mestre não se contenta só de vocábulos, porque toda a sua existência é uma Palavra, até ao discurso silencioso da cruz, na qual Deus nos diz todo o seu amor. Em Jesus a Palavra ganha vida, põe-se em prática.

“Nunca vos conheci”
Talvez tenha razão o Senhor: não nos conhecemos; ainda estamos longe dele. Só o encontro total, a cumplicidade nos detalhes e segredos, a comunhão plena, a existência incrustada no outro, conduzem ao conhecimento. Não basta uma apropriação cerebral, um ritualismo estéril ou uma verborreia vazia. Conhecer é uma empreitada lenta, que precisa de silêncio e de cuidados. Implica ainda a solidez para toda a vida. Conhecer é ser casa aberta, acolhendo e deixando-se acolher. Conhecer Cristo é também ser lar, onde ressoa o eco das suas palavras e onde as mãos sintonizam o coração.

Ser casa em Jesus
Na parábola, as duas casas parecem exteriormente iguais. Sobre ambas cai a chuva, transbordam as torrentes e sopram os ventos. É o modo como são construídas que faz a diferença. A força e segurança estão na profundidade, residem naquilo que a sustentam. A rocha conhece o duradouro e o estável, enquanto a areia é levada pelo vento e arrastada pelo mar. Também em nós a grande diferença da vida radica no que faz sonhar com o definitivo e eterno, está no interior, na força do coração. Uma casa será como forem os seus alicerces, a árvore será como as suas raízes, o homem será consoante o seu coração. A força está naquilo que somos dentro, está nas pessoas sobre as quais construímos a existência. Só quem nos conhece profundamente é que pode ser a rocha inabalável da nossa vida. Só Naquele que moldou ternamente o nosso coração é que repousa a verdadeira felicidade e a salvação.
A casa não é simplesmente o pardieiro onde cada um descansa e se esconde, mas é o lugar do conhecimento, das relações, da intimidade, da familiaridade, dos afectos, da serenidade e do amor. A casa da vida é aquele lugar onde se cresce e se realiza à imagem e semelhança de Deus. Caros amigos, olhai para o vosso coração, porque como ele será, assim sereis vós também. E isso é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Quero levar a sério a Palavra de Deus: escuto-a, medito-a, confronto a minha vida com ela…

REZAR A PALAVRA
Senhor, amparo e sustento da minha história, guardião e pilar do meu crescer,
protector e fundamento do meu sim, quero edificar-me sobre Ti, em Ti e para Ti,
quero consruir-me pela Tua palavra e firmar o meu ser nos gestos que ela produz em mim.
Podem cair as chuvas das incertezas que inquietam,
podem vir as torrentes das fragilidades que destroem,
podem soprar os ventos dos medos que limitam...
nada destruirá o sonho que edificas em mim
sempre que deixo que a minha vontade seja a Tua,
sempre que a Tua palavra é motor do meu agir...