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quinta-feira, 5 de março de 2015

III Domingo Quaresma B


Evangelho segundo S. João 2, 13-25
Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. Encontrou no templo os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas sentados às bancas. Fez então um chicote de cordas e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois; deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou-lhes as mesas; e disse aos que vendiam pombas: «Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio». Os discípulos recordaram-se do que estava escrito: «Devora-me o zelo pela tua casa». Então os judeus tomaram a palavra e perguntaram-Lhe: «Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?». Jesus respondeu-lhes: «Destruí este templo e em três dias o levantarei». Disseram os judeus: «Foram precisos quarenta e seis anos para se construir este templo e Tu vais levantá-lo em três dias?». Jesus, porém, falava do templo do seu corpo. Por isso, quando Ele ressuscitou dos mortos, os discípulos lembraram-se do que tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra de Jesus. Enquanto Jesus permaneceu em Jerusalém pela festa da Páscoa, muitos, ao verem os milagres que fazia, acreditaram no seu nome. Mas Jesus não se fiava deles, porque os conhecia a todos e não precisava de que Lhe dessem informações sobre ninguém: Ele bem sabia o que há no homem.

Caros amigos e amigas, o gesto de Jesus no Evangelho de hoje parece um ciclone que mete ordem à balbúrdia ritual. Só na casa do Pai é possível uma vida nova, uma oração renovada, um sacrifício autêntico.

Interpelações da Palavra
O zelo pela casa do Pai
A cena é mais caricata e cómica do que violenta: todos juntos, vendedores e animais, são expulsos do átrio do templo como um único rebanho, misturando mugidos e berros, gaiolas e dinheiro, o ridículo humano e a ignorância animal! Talvez no dia seguinte todos tenham reocupado o lugar para facilitar o culto e as ofertas dos peregrinos. Mas naquele dia o Mestre não conseguira resistir. Parecia que um incêndio o abrasava, o amor incandescente pela casa do Pai fizera-o “perder as estribeiras”. Jesus aponta o dedo aos que se aproveitam da fé e fazem da piedade pretexto para usurpar a vida. Mas confronta também os que são cerimoniosos com Deus, pagam as infidelidades com moedas sonantes, pretendendo receber em troca a tranquilidade da consciência. Contudo, Deus não se compra, Deus não se vende! Nem com ofertas, liturgias ou orações. Deus simplesmente se acolhe gratuitamente!

Cristo templo, altar, vítima e sacerdote
O olhar do Mestre vai muito além da purificação do templo, está voltado para o futuro. O verdadeiro templo é a casa do meu Pai, o lugar da relação familiar e íntima, lugar de encontro e de confiança, onde não há injustiça, abuso ou idolatria. A casa do Pai é sempre o coração do Filho! Jesus substitui os vendedores pela dinâmica do dom gratuito, as vítimas são comutadas pelo sacrifício do cordeiro silencioso, a destruição do templo é suplantada pela ressurreição da vida! Agora é Cristo o templo, o altar, a vítima e o sacerdote! Ele é o verdadeiro e único templo, o lugar exclusivo no qual Deus e o homem se encontram para sempre!
Em Jesus não é o homem que renuncia ao pão quotidiano para o dar a Deus, mas é Deus que se faz pão para alimentar o homem; não é o homem que se consagra a Deus, mas é Deus que se ajoelha aos pés do homem para o servir. Maravilhoso comércio: de nós Ele recebe a miséria, enquanto Dele recebemos a misericórdia!

O verdadeiro culto é o amor
É fácil contentar-se com um Deus prisioneiro num templo, visitado periodicamente, que não perturba em demasia. Pode-se também contemplar realmente a presença divina no tabernáculo, mas é principalmente nas lágrimas de uma mãe, no sorriso de um filho, na mochila de um emigrante, na mão estendida de um mendicante… que O podemos adorar em espírito e verdade. É nesta peregrinação sagrada no meio da vida gente que Deus se oferece e nos ama. É sempre ali, na vida de cada dia e na história de cada coração, que se encontra e se venera. A igreja não é um museu arqueológico ou um bazar do sagrado, mas é um jardim a fazer desabrochar! Não há templo, não há igreja sem a presença dos filhos! O Pai está e encontra-se quando os filhos se reúnem, se abraçam e se amam!
Talvez seja mais fácil oferecer sacrifícios a Deus do que falar com Ele e escutar a sua palavra. Talvez seja mais fácil fazer uma promessa do que viver de uma presença. Talvez seja mais fácil enclausurá-Lo do que O acompanhar na vida. Mas a novidade de Jesus está entre encontrar um Pai ou um patrão, entre ser filho ou escravo, entre fazer do coração um templo ou emparedar o coração! A escolha está, caro amigo e amiga, em viver o Evangelho!


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor Jesus, dom gratuito do Pai, desmascaras a minha fé aparente e desmoronas
o frágil castelo das minhas conquistas espirituais; derrubas a listagem das minhas promessas
 (in)cumpridas e chicoteias a entrega egoísta de muitos gestos. Propões-me o amor
como moeda de troca e expressão gratuita de entrega e verdadeiro sacrifício.
Convidas-me à oração verdadeira, mais que ao rito;
ao diálogo contigo, mais que à compra de um “espaço no céu”.
Sei, Senhor, que a tua misericórdia está para além dos meus cálculos, porque me reedificas sempre.

Viver a Palavra

Vou fazer-me próximo de alguém através de um gesto concreto de escuta e presença.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

V Domingo Comum B


Evangelho segundo S. Marcos 1, 29-39
Naquele tempo, Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama com febre e logo Lhe falaram dela. Jesus aproximou-Se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. Ao cair da tarde, já depois do sol-posto, trouxeram-Lhe todos os doentes e possessos e a cidade inteira ficou reunida diante da porta. Jesus curou muitas pessoas, que eram atormentadas por várias doenças, e expulsou muitos demónios. Mas não deixava que os demónios falassem, porque sabiam quem Ele era. De manhã, muito cedo, levantou-Se e saiu. Retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar. Simão e os companheiros foram à procura d’Ele e, quando O encontraram, disseram-Lhe: «Todos Te procuram». Ele respondeu-lhes: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim». E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demónios.

Caros amigos e amigas, da Sinagoga de Cafarnaum, Jesus parte para o aconchego de uma família; do anúncio do Reino pela Palavra, Jesus passa ao anúncio através dos gestos de cura. Da casa passa à cidade e da cidade a “outros lugares”, ao mundo… Hoje chega aqui! O Evangelho de Jesus é para todos os tempos e lugares.

Interpelações da Palavra
Tomou-a pela mão e ela levantou-se
Começa pela casa de Simão. Este gesto de tomar pela mão e levantar é próprio de Jesus e daqueles que Lhe seguem os gestos. Um gesto familiar, de proximidade. Através do calor da sua mão, Ele deixa correr para a nossa a seiva que lhe passa no coração! Então ficamos irrigados do seu dinamismo e não podemos deixar de nos levantar de todas as prostrações. Ele faz-nos caminhar e devolve-nos a autonomia do serviço. Aquele que se deixa levantar por Jesus, ganha a agilidade dos peregrinos, a iniciativa dos obreiros da paz. Jesus confronta todos os “sábados estéreis”, todos os descansos infecundos e até desumanos, todas as hesitações tímidas ou comodistas, toda a inércia cúmplice do mal.
Naquele dia abateu-se sobre Cafarnaúm a profecia de Isaías como nunca tinha sido provada. A esperança de todos os que padeciam de enfermidades ganha vigor. Talvez na expressão “todos os doentes” possamos incluir “todas as doenças” e a integridade de cada “doente”. Será que alguém em Cafarnaúm ficou fora da lista? É que em vez de notificarmos Jesus acerca das doenças dos nossos órgãos fisiológicos precisamos de nos oferecer ao seu olhar, na totalidade do nosso ser, correndo o risco de que Ele nos levante e já não nos seja possível deixar de caminhar…

Retirou-se… começou a orar
Marcos nem tem tempo para falar do repouso de Jesus. Tudo n’Ele é dinamismo, porque agora Jesus também se levanta e sai... E aqui está de onde lhe vem o dinamismo. Estamos curiosos por saber como seria a oração de Jesus. Mas a descrição, apesar de breve, deixa-nos dados preciosos. Este “muito cedo” indica-nos qual era o alicerce dos dias de Jesus. Os seus gestos são reflexos do esplendor de um coração que se sente amado e que se deixa amar, por isso são gestos de amor. As palavras de Jesus alimentam-se desta intimidade dialogante com o Pai, por isso são palavras criadoras. O olhar de Jesus acende-se na alegria de ser olhado pelo artífice do universo, por isso é um olhar iluminante. Temos assim a fórmula para alcançar a plenitude dos dias: dias enraizados na comunhão com o Pai celeste.

Vamos a outros lugares
Não podemos ficar aqui a saborear os êxitos vaidosos, a rever-nos e a consolar-nos com uma obra própria. Não podemos encerrar no nosso controle a graça de Deus que se multiplica pela fecundidade do Espírito Santo. Ajudemos os irmãos a levantarem-se, também os que nem se sentem caídos, mas não cometamos a loucura de lhes manipular os movimentos; deixemos que caminhem livres, que tomem a iniciativa do serviço, amparados pela força do Alto...
Não sejamos semeadores que controlam os dinamismos e os ritmos da terra, mas confiam na força da graça e partem logo para outras sementeiras. Vamos a outros lugares, amigos e amigas, cruzemos as fronteiras dos preconceitos, não adiemos o amor, visitemos as dores dos irmãos, caminhemos pelos desertos tristes que nunca ouviram som de passos, pelas terras duras que nunca conheceram a água fecunda da Palavra. Vamos, partamos… semeando o Evangelho!



Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, vivo prostrado na febre das coisas que me afastam do irmão
e me detêm na solidão do meu querer e dos meus projetos desnudados de amor.
Vivo atormentado pela doença de me achar dono da vida, detentor da história
e possuído por demónios que não falam o amor e a comunhão.
Vivo perdido no espaço de cada gesto e procuro o caminho e a meta fora de Ti.
Mas Tu és a cura e a Palavra, Tu és a força e a sabedoria…
Cura-me, ensina-me, levanta-me e envia-me!

Viver a Palavra

Vou redescobrir na oração da vida a força e o discernimento para a missão.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

XXX Domingo Comum C



Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».

Caros amigos e amigas, Lucas apresenta hoje uma parábola inquietante para quem se julga justo e, no entanto, despreza os outros. A partir de dois personagens simpáticos, denuncia que há oração que separa de Deus e falseia a consciência, quando a vida não se abre à misericórdia.

O amor pavoneado
O fariseu apresenta-se como um herói do altruísmo e reza diante do espelho: adora o próprio coração; basta-se a si mesmo; tudo gira à volta da palavra “eu” e esquece a palavra mais importante do mundo: “tu”. Reza ao lado do publicano, mas entre eles cria-se um abismo intransponível. A sua prece torna-se até um meio para aniquilar o outro que, reduzido a uma sombra insuportável, incomoda a sua oração. O orgulho dá-lhe um sentido de superioridade e de desprezo pelos outros.
O fariseu agradece, é certo, não pelo que Deus faz nele e por ele, mas o que ele faz por Deus e pelos outros. Agradece, na verdade, ao seu umbigo. A sua oração é uma farsa, uma mentira: Deus é apenas o contabilista da colecção dos seus méritos e dos seus esforços paradisíacos. Todavia, Deus não é a sua fonte da salvação, nem aquele que reza a seu lado se torna irmão.

“Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador”
Ao contrário, o publicano, tido como um pecador público, dirige toda a sua oração a Deus e põe no centro a misericórdia divina. O olhar voltado para baixo recorda-lhe a sua miséria e a necessidade de perdão. A diferença não está apenas nas palavras, mas na profundidade da oração: aquela do coração e da vida, que parte do amor, da terra e do húmus de que somos feitos.
É Deus o centro da oração do publicano, a quem se dirige, num encontro de confiança e compaixão. O publicano reconhece que Deus não se merece, mas acolhe-se; Deus não se conquista, mas deixa-se conquistar; Deus não se compra, mas escuta-se…

Diz-me como rezas, dir-te-ei quem és
É a oração o lugar onde o coração se despoja, onde se vai ao essencial e à verdade de cada um. Diante de Deus, todos somos mendigos e pecadores. De nada serve cobrirmo-nos de virtudes. Ocorre revestirmo-nos da nossa autêntica e dramática autenticidade, da nossa pobreza, amada e perdoada, da fragilidade da nossa humanidade, abraçada e consolada. “A grandeza do homem está na consciência da própria miséria” (Pascal).
Ninguém é digno de Deus, mas Deus dá-se à nossa indignidade. É preciso ter as mãos estendidas, ainda que vazias e sujas, para serem preenchidas pela graça. Não é um coração transbordante de orgulho que acolhe e vê o outro. Se o coração estiver cheio das próprias palavras não há espaço para acolher a Palavra. Rezar é sempre passar do monólogo ao diálogo, do envaidecer-se em magnificências vazias ao reconhecimento das maravilhas que Deus realiza na humildade dos seus servos. Rezar é, caros amigos e amigas, entrar na gratuidade do amor divino, onde nasce o Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou conhecer os meus limites e o meu orgulho tendo a Deus como modelo.

REZAR A PALAVRA
Senhor, fonte de perdão e de amor, acolhe a nudez da minha oração.
Das palavras que procuro para Te dizer, só o silêncio Te descreve, só a brisa Te desenha...
Sinta eu bater no peito a distância que guardo de Ti e o engano do meu julgar...
Sinta eu bater no peito o disfarçado esquecimento de Ti e o louvor egoísta do meu pensar...
Sinta eu bater no peito a compaixão que vem de Ti e a sede de Te rezar...

Senhor, fonte de justiça e verdade, escuta o meu regresso que deseja aprender a Tua humildade.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

XXIX Domingo Comum C



Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos uma parábola sobre a necessidade de orar sempre sem desanimar: «Em certa cidade vivia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. Havia naquela cidade uma viúva que vinha ter com ele e lhe dizia: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário’. Durante muito tempo ele não quis atendê-la. Mas depois disse consigo: ‘É certo que eu não temo a Deus nem respeito os homens; mas, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, para que não venha incomodar-me indefinidamente’». E o Senhor acrescentou: «Escutai o que diz o juiz iníquo!... E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa. Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre a terra?».

Caros amigos e caras amigas, o Evangelho de hoje convida-nos a rezar sempre sem desanimar. Para isso, ocorre ter a crença tenaz da viúva que sabe que o seu grito de justiça será escutado.

A oração da viúva derrota o juiz
Imagino aquela pobre mulher, frágil mas também robusta, que não se cansa de bater à porta daquele homem da lei, que não tem sequer uma migalha de humanidade e é impermeável a qualquer bom sentimento. As súplicas da viúva ricocheteiam numa couraça de indiferença sem sequer arranhá-la de piedade. A viúva nada possui, não tem quem a defenda, tem apenas a sua voz e a sua persistência de justiça. O juiz deveria defender o oprimido com imparcialidade e rapidez, mas pelo contrário representa a arrogância, o desprezo, a insensibilidade. Contudo, se ele não capitular por convenção, vai render-se por cansaço, para não voltar a ser chateado indefinidamente.
A beleza desta página está na pobreza da mulher que é mais forte do que a surdez do potente. A voz da pequena, mesmo se incómoda, é semente de esperança e de justiça.

Rezar sem desanimar
A oração não é obra dos fortes, mas dos fracos (E. Bianchi). Talvez seja, por isso, necessário tornar-se viúvo, alguém que sabe nada possuir, porque todos somos pobres, frágeis, esfomeados, sem pão nem justiça. Não nos bastamos a nós mesmos, mas somos necessitados dos outros. E precisamos ter alguém de confiança, alguém a quem procurar, onde bater à porta, onde gritar por justiça.
A pobreza da viúva do Evangelho escancara a porta à esperança. A oração não se envergonha em pedir, não hesita em insistir, não cessa de bater, não teme importunar. Ela exige coragem, aquela coragem da fé que leva a não desistir, a acreditar. Mais do que obstinada, a viúva é exemplo de oração pela sua certeza que será escutada. A perseverança não é principalmente o fruto de uma ascese mística ou da força da vontade, mas é a confiança que se será escutado. E que, ao contrário do juiz, o homem encontra sempre em Deus um pai impaciente em escutar os gritos dos seus filhos e em acolher infinitamente as suas fomes de justiça.

Haverá fé sobre a terra?
Misteriosa e inquietante pergunta que nos é dirigida por Jesus. Contudo, o Mestre de Nazaré não pergunta se, no fim dos tempos, existirá uma estrutura de preceitos religiosos, mas se a fé brilhará ainda no firmamento do coração humano. Ele bem sabe que Deus não é surdo nem está distraído, bem sabe que a nossa tarefa não consiste em forçar o atraso ou o silêncio de Deus, mas sim comporta o empenho na aurora de um mundo mais justo. Sim, rezar rima com amar. Rezar não para se receber algo mas para se ser transformado. Rezar não para obter dons ou milagres, mas para acolher a justiça d’Aquele que a dá. E isso, caros amigos e amigas, é caminho de Evangelho.

VIVER A PALAVRA
Vou questionar a minha forma arrogante e exigente de me dirigir ao Senhor na oração.


REZAR A PALAVRA

Senhor, Tu te entregas a mim, na totalidade do teu mistério,
 ajuda-me a despojar-me deste egoísmo que me compacta, e me infecunda,
para abrir-me à sementeira permanente do teu imenso amor.
Senhor, confias-me a vida e o caminho, preciso de dialogar contigo no amor,
preciso de te entregar tudo o que tenho e sou, com uma confiança inabalável.
Senhor, só Tu és o Justo e a Justiça, o Verdadeiro e a Verdade,

quero deixar que me transformes, para ser rebento da Tua Justiça e Verdade.  

quinta-feira, 25 de julho de 2013

XVII Domingo Comum C



Naquele tempo, estava Jesus em oração em certo lugar. Ao terminar, disse-Lhe um dos discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista ensinou também os seus discípulos». Disse-lhes Jesus: «Quando orardes, dizei: ‘Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação’». Disse-lhes ainda: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’. Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’. Eu vos digo: Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa. Também vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á. Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».

Caros amigos e amigas, o Evangelho deste Domingo dá-nos uma boa oportunidade para, com os discípulos, ousar também indagar Jesus, Aquele que é o Filho muito Amado, sobre o segredo para aquele encontro íntimo com o Pai, que nos é absolutamente necessário como respirar.

Ensina-nos a orar
Certamente que os discípulos se questionavam de onde vinha a Jesus aquela força interior, aquela harmonia, aquela segurança e legitimidade para o que dizia e fazia. Habituados a ver que Jesus “se retirava para lugares solitários” sentiam-se fascinados ao vê-lo rezar! Eles precisavam de saber como se alcançava aquela comunhão com Deus, aquela permanente reconciliação com tudo o que Ele criou.
Também nós, cansados de tanta aridez e infertilidade na oração, temos em Jesus o verdadeiro Mestre. Ele pode ensinar-nos a rezar, a trilhar o caminho de ingresso à relação com o Pai, porque só Ele conhece os meandros do seu Coração. Só Ele pode dizer-nos como se vai mais além da plataforma das palavras.

Pai…
Jesus abre-nos uma porta impensável. Ele não só nos autoriza como nos impele a usar o nome de Pai, o nome que carrega a familiaridade precisa para alcançar em cheio o Coração de Deus. Dizer Pai é fazer uma incisão nos cosmos, é perfurar o Céu! Dizer Pai dirigindo-nos a Deus é como solfejar todo o universo criado por Ele. Santificado, venha, faça-se, dai-nos perdoai-nos, não nos deixeis cair… são os compassos de um hino em que o coração inteiro se harmoniza com o Coração de Deus. Nunca poderemos rezar deveras a oração que Jesus nos ensinou sem esta reconciliação ou sintonia do coração.
Muitas vezes fazemos de Deus um empregado de balcão a quem formulamos pedidos a troco de palavras e de gestos vazios de nós mesmos… De facto a oração que Jesus nos ensinou é uma bateria de pedidos e na parábola o verbo pedir é chave! No entanto, amigos e amigas, este verbo está entrelaçado com outro: dar. A chave completa é esta: pedir para dar. Um pedido legítimo feito a Deus tem que nos requisitar para a dádiva de nós mesmos. Tem que transformar-nos num pão que se reparte…

Tornar-se pão
Esta parábola é uma história de amigos. E não são só dois os amigos, que estagnam num círculo fechado, mas uma trindade dinâmica que se torna manancial. A oração é um trato de amizade com Deus, diz Santa Teresa de Jesus. O Amigo é aquela meta que a confiança logra alcançar, sol na noite, voz que responde, porta que se abre, mão que (se) estende... Mas Jesus fala de insistência. Far-se-á Deus rogado? Somos nós que precisamos de insistir nos nossos desejos até saber pedir o Bem e alargar o nosso espaço interior para o receber. Ele sugere-nos que temos de passar de pedidos egoístas para aquela prece que nos transforma em dom para os demais. Esta parábola assegura-nos que, onde houver verdadeira oração, não haverá famintos de pão e de afecto, não haverá abandonados ao relento da noite, não haverá pedidos que se esvaem na indiferença, mas haverá homens e mulheres, saciados de Espírito Santo, dispostos a serem Eucaristia, a tornarem-se pão, como Jesus, para alimentar o mundo. Esta é a refeição do Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou encontrar um tempo para rezar ao Pai e para abraçar o irmão.

REZAR A PALAVRA
Senhor, ensina-me a rezar, ensina-me a estar na tua presença, a contemplar o teu mistério.
Senhor, ensina-me a tua disponibilidade, a tua misericórdia incondicional e o teu perdão.
Senhor, ensina-me a tua amizade verdadeira, o teu sim à vida, o teu fazer-se pão.
Senhor, ensina-me o teu dar sem medida, o teu encontro permanente, a tua abertura de paz.

Senhor, ensina-me a amar!

quinta-feira, 18 de julho de 2013

XVI Domingo Comum C


Naquele tempo, Jesus entrou em certa povoação e uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Entretanto, Marta atarefava-se com muito serviço. Interveio então e disse: «Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me». O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».

Caros amigos e amigas, o evangelho de hoje apresenta Jesus num ambiente doméstico, quase a dizer-nos que a fé é sempre um encontro íntimo e familiar. E quando Deus entra na nossa vida ocorre ser terra silenciosa e seduzida; ocorre estar com Ele sem a tirania das inquietações, para receber um dom, uma vida, uma amizade.

Betânia
Encanta-me este Deus que se mete na vida da gente, que pede atenção e proximidade, a quem agrada sentar-se com simplicidade à volta da mesa e falar. Um Deus de risos e lágrimas, de cumplicidades e confidências. Acredito que, naquela casa de Betânia, Jesus reencontrava a familiaridade, a amizade, a tranquilidade e a intimidade da sua pequena Nazaré.
Hospedar alguém é criar-lhe um espaço e dar-lhe tempo. É partilhar a própria casa e a refeição. Mas, acima de tudo, é fazer de si próprio um espaço para o outro através da escuta. Maria que escuta a palavra de Jesus é imagem de uma hospitalidade que não se limita a acolher nos muros de uma casa, mas que faz da sua própria pessoa uma demora para o outro. Ser Igreja é ainda hoje ser Betânia, ser casa e ser família!

Marta e Maria
Não podemos opor Marta e Maria como emblemas de dois tipos de vida: contemplativa e activa. Nem podemos esquecer que elas são as duas faces de um único amor: diferentes mas sempre irmãs, nunca inimigas ou adversárias! Maria, sentada e enamorada aos pés de Jesus, tem como única preocupação saborear as suas palavras e alimentar-se daquela presença. Marta, por seu lado, preocupada em que nada falte, agita-se num frenesim. E não será repreendida pelo serviço mas sim pelas inquietações. Jesus não aprecia apenas a escuta de Maria, nem despreza o activismo de Marta, pois “em Marta há uma preocupação que nasce de uma necessidade; enquanto em Maria há uma doçura que nasce do amor” (S. Agostinho).
Marta não pode ser sem Maria, porque é estéril uma caridade que não inicie e não termine na contemplação do mistério de Deus; nem Maria se pode passar da Marta, porque não há amor de Deus ou oração que não se traduza em gestos concretos: tanto é feliz quem escuta a Palavra de Deus como também é feliz quem a põe em prática. Marta, na verdade, alimenta Cristo que Maria adora.

Escolher a melhor parte
Quando nos sentamos aos pés de Cristo tornamo-nos peregrinos do essencial, sentinelas entre as muitas coisas e a única necessária, entre o supérfluo e o necessário. Não interessa tanto o fazer ou o não fazer, mas o ser: ser pessoas à escuta da vida, pessoas capazes de estar aos pés de cada palavra que nos é dirigida, pessoas capazes de silêncio diante dos outros sem impor, pessoas capazes de acolher o dom do outro, deixando-se surpreender.
Mais importante do que fazer coisas para Deus, é fundamental reconhecer as maravilhas que Deus realiza em nós. Jesus ajuda-nos a passar de um Deus como preocupação para um Deus vivido como maravilha, de um Deus como dever para um Deus como amigo. Caso contrário, centrados em nós próprios, andamos agitados em muitas coisas, preocupados e atarefados, incapazes de deixar espaço ao outro, absorvidos sem uma atenção profunda, sem nos darmos em resposta ao Dom.
Acredito que a melhor parte é viver a vida com mistério, é maravilhar-se, deixar-se encantar! É não viver sem amigos e sem laços de amor. A melhor parte é sempre o outro, porque o outro é uma narração do Evangelho!


VIVER A PALAVRA
Vou preparar um coração acolhedor para aqueles que me rodeiam, reconhecendo neles o próprio Jesus.

REZAR A PALAVRA
Aos pés da tua palavra, Senhor, quero fazer aquele silêncio onde as
inquietações emudecem, onde a intimidade dos amigos é alegria e serenidade.
Quero cruzar o teu olhar, meu Deus, que se pousa na minha humildade
e deixar-me encantar pelas maravilhas que em mim realizas.

Porque assim poderei glorificar-Te e cantar o teu amor.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

I Domingo Quaresma C




Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão. Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo. Nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome. O Diabo disse-lhe: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’». O Diabo levou-O a um lugar alto e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra e disse-Lhe: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser. Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’». Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’; e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’». Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’». Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.

Caros amigos e amigas, o Evangelho convida-nos ao deserto. Desde a quarta-feira de cinzas, a Quaresma recorda que somos pó. Contudo, este pó habitado pelo Espírito é, ainda hoje, a obra-prima da criação. Tão bela e delicada que, cada ano, o Artista a conduz ao deserto para lhe reavivar todo o seu esplendor.

“Estar no deserto, conduzido pelo Espírito”
O deserto é um lugar misterioso e intrigante, um espaço onde a sobrevivência e a morte caminham lado a lado, local de desafios e de audácia. É também o lugar onde Deus conduz os profetas para lhes falar ao coração, onde caminha com o povo hebreu partilhando a sua vida. Hoje, também as nossas cidades têm os seus desertos: o deserto da solidão e tristeza de tantos; o deserto de uma crise que avança impiedosa; o deserto de muitas perguntas sem respostas… Na verdade, basta uma quebra em Wall Street e falta o pão na nossa casa; basta uma febre e definha a saúde; basta uma união desfeita e desaparece alegria. Mas, se o Evangelho nos convida a entrar no deserto é porque – como disse Saint-Exupéry – em cada deserto há um poço, em qualquer angústia existe um rebento de ressurreição. No deserto são as estrelas que traçam a rota. Talvez ali descubramos dentro de nós a nostalgia do Céu, a liberdade desmesurada, o silêncio que permite a escuta, a luz que desmascara as trevas, a presença capaz de um encontro…

“Se és Filho de Deus”
As três tentações metem em jogo a relação filial de Jesus com o Pai, são um desafio entre dois projectos, são uma escolha entre dois amores.
As tentações são a divisão do nosso coração feito de cinzas e de luz, são um convite a alimentar-se só de pão, a contentar-se com a própria história, a viver sem sonhos, a silenciar a voz de Deus. O silêncio é então quebrado por aquela insinuação diabólica que gostaria de minar a nossa confiança no Amor: “onde está o teu Deus”? Todos sabemos que somos mendigos de pão, mas não podemos esquecer que somos também pedintes do céu e da eternidade, somos possuidores de tanta coisa mas mendicantes da beleza e do amor. O pão é bom e necessário, sacia o estômago, mas só Deus sacia a vida. Doutro modo, a existência é uma saca cheia de pedras que se tornaram pão duro e amargo de cada dia.

“Está escrito”
Nas três tentações Jesus convoca Deus ao seu lado e cada resposta é silabada e gritada com o alfabeto da Palavra de Deus: “está escrito...!”, está gravado no coração! Porque o que se escreve permanece, é promessa, é realidade! Jesus não dialoga com o Diabo, mas contrapõe sempre um amor maior: o de um Pai que nunca o abandona.
O grande engano é acreditar que o tesouro da vida esteja num naco de pão, na folia do poder ou no excesso de sucesso. O engano é acreditar que assim se pode eliminar a fome do céu e de paz. O maior engano é servir-se da vida caminhando nas palmas de anjos, sem avançar como crianças confiantes apenas na força com que nos aperta o abraço do Pai.
Mesmo quando caímos dos pináculos vazios da vida, Ele está presente. Talvez não como nós desejaríamos, mas à sua maneira. E não para evitar a queda, mas para ajudar a levantar e a continuar. E, então, fazer florescer o deserto. Isso, caros amigos e amigas, é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou deixar um pouco da minha semana para me retirar e descobrir o que me tenta.


REZAR A PALAVRA
Senhor, ajuda-me a retirar de mim o que me desliga de Ti...
No deserto da minha busca de da fonte, não desejo pão passageiro, nem estradas
imediatas, apenas aspiro por Ti, alimento seguro. No alto das colinas do eu,
não desejo fama nem reconhecimento vão, apenas o Teu colo que me alenta
e me faz ser. Na Jerusalém de um mundo inquieto e desorientado, nao desejo poder egoísta nem autoridade vazia, apenas a Tua Palavra como norma e meta do caminho.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

XXXII Domingo Comum B


Naquele tempo, Jesus ensinava a multidão, dizendo: «Acautelai-vos dos escribas, que gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Devoram as casas das viúvas, com pretexto de fazerem longas rezas. Estes receberão uma sentença mais severa». Jesus sentou-Se em frente da arca do tesouro a observar como a multidão deitava o dinheiro na caixa. Muitos ricos deitavam quantias avultadas. Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante. Jesus chamou os discípulos e disse-lhes: «Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver».

O Evangelho deste Domingo presenteia-nos dois quadros contrastantes que realisticamente ilustram modos distintos de apreender e se relacionar com Deus. De que lado estamos? Esta descoberta é um desafio.

Quem te avisa…
Perante o aviso de Jesus, com que o texto começa, podemos pensar: se ele diz “acautelai-vos” estará a advertir para algo que vem de fora, para o qual me devo precaver. Uma análise mais séria leva a adentrar-me pelas avenidas do meu ser e a descobrir esse escriba enterrado nas minhas motivações. Não será esse escriba o responsável por destabilizar a minha humildade e verdade face aos outros? Talvez seja ele o que coloca um verniz à frente da minha falta de autenticidade; talvez seja ele a ditar-me certas regras de competição desenfreada, de busca de atenções, de defesa dos “meus direitos”, de uma implacável indiferença perante os detalhes do irmão. Urge, então, localizar e denunciar esse escriba… E esse escriba provavelmente sou eu!
Não tenho hipótese de ludibriar Deus com a soma avultada do meu trabalho pelo seu Reino, com a incontável lista das minhas obras de piedade, com a sobra de palavras... Deus não se suborna com esmolas. O desafio que Jesus me deixa é o de converter a minha vida interior, num manancial a fundo perdido...

Veio uma pobre viúva
Mas a viúva pobre também nos vem causar problemas. Primeiro: que estranho este Deus que se compraz nos pobres, que simpatiza com os fracos! Teremos de passar pela penúria para que Ele se interesse por nós? Segundo: como pode ser elogiada a tremenda imprudência desta mulher que dá tudo o que tem? Ela vai agravar a crise humanitária, é mais uma na conta dos que têm de ser socorridos pela assistência social…
Há aqui qualquer cumplicidade entre ela e Deus que, à primeira, nos escapa. A nossa lógica é a independência… face a Deus e face ao outro. Não toleramos pensar que somos indigentes, que, de algum modo, dependemos dos outros, ainda que o Outro seja Deus. Gostamos muito mais de ser nós a dar esmolas, a mostrar, a ostentar… a deixar um débito na conta do outro e cobrar-lhe juros quando se proporcionar. No fundo batemos sempre na mesma tecla: queremos colocar-nos no lugar de Deus. A pergunta que temos de fazer é esta: qual é o nosso Deus? Ou seja, para onde encaminhamos a nossa confiança?

O que é dar?
Os ricos davam, a viúva deu? Na verdade, nós nunca damos nada. Tudo o que nos passa pelas mãos é pura gratuidade de Deus. Vivemos num ambiente em que tudo é (de) graça. Não se trata de deixar de lado o nosso esforço, nem de enveredar pela atitude passiva de quem acha que tudo se resolve por si. Trata-se de deixar fluir pelas nossas mãos a incomensurável riqueza de Deus que é nossa, mas é d’Ele. Trata-se de lhe dizer: confio em ti, e entrego-te aquilo que de ti recebo, o que tenho e sou; é na tua presença que me abrigo, é sob o teu horizonte que sonho, é da tua vida que me alimento é para o teu rosto que caminho.
Amigos e amigas, a viúva pobre é um perfeito ícone da nossa condição perante Deus. É pobre de bens e é viúva… pobre de relações. Ela é a expressão de uma pura dependência de Deus. Porque é Ele o sustentáculo das coisas que fruímos e das pessoas que amamos. É Ele Quem dá valor aos bens, e a beleza a tudo o que é belo. Só n’Ele integramos a profundidade e a verdade de nos amarmos. É Ele o único pelo qual podemos aferir a nossa gestão de bens e de relações. A oferta da viúva é tudo o que tem para viver, é a sua vida e ela manifesta um percurso claro para a sua vida: vem de Deus, vai para Deus, pois está em Deus. E isto porque… verdadeiramente tudo o que possuímos para viver é Deus. E isto é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou encontrar e praticar novas formas de humildade e de entrega total e incondicional, ao jeito de Jesus.

REZAR A PALAVRA

Senhor, no encontro de um sentir, na descoberta do Teu sonho para mim,
construo a minha entrega como resposta ousada de um crer, de um ofertar.
Quero oferecer-Te a minha vida; tudo o que sou, sinto e tenho é para Ti.
Cala os longos discursos do meu saber. Desfaz as convencidas teorias do meu
pensar. Desmorona as supostas certezas do meu agir. Anseio apenas
oferecer-me a Ti, confiar em Ti, crer em Ti, entregar-Te a minha vida.
Não quero, Senhor, dar-Te do que me sobra, mas desejo em tudo, dar-me a Ti!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Grande entrevista


A Irmã Esperança, fez os seus Votos Perpétuos na Congregação das SFRJS no passado dia 30 de outubro. O Sementinha decidiu fazer-lhe uma grande entrevista que podes ler aqui na íntegra:

- CARISMA
SEM - De que forma é que a Irmã sentiu o apelo de Deus para a Vida Consagrada? E, mais concretamente na vivência deste carisma?

IRMÃ ESPERANÇA - O apelo de Deus para eu seguir a vida consagrada surgiu através da minha escuta interior, após ter testemunhado a profissão religiosa de uma irmã de uma outra congregação. Pois, o desejo de seguir Cristo pobre e obediente não foi fácil, isto é, passei por uma grande luta interior, nomeadamente no que diz respeito à inevitável separação dos meus familiares para ser acolhida numa outra família, a família espiritual. Assim, na vivência quotidiana deste carisma continua a cativar-me a adoração à santíssima eucaristia, uma vez que foi esse amor que me levou um dia a arriscar segui-Lo para anunciar o Seu Evangelho.

- VOTOS PERPÉTUOS
SEM - Nesta sua entrega ao chamamento de Deus, pensa que professar os votos perpétuos é continuar a acolher o projeto que Ele tem para si, na construção da sua felicidade, num sinal de entrega permanente?

IRMÃ ESPERANÇA - Nesta minha entrega ao chamamento de Deus, penso que professar os votos perpétuos não é mais que continuar a acolher com todo o entusiasmo o Seu projeto para mim num sinal de entrega total e permanente. É como fazer uma aliança com Deus, de dar uma resposta ao Deus-Amor, na tentativa de construir um mundo melhor tendo por base os interesses Dele e não os meus!


- MISSÃO/ EVANGELIZAÇÃO
SEM - Numa altura, em que se fala tanto na crise de valores na igreja e na sociedade, de acordo com a sua vivência pessoal como SFRJS, que opinião manifesta sobre o sentido de “ser cristão hoje”?

IRMÃ ESPERANÇA - Na minha vivência como SFRJS sinto que temos que lutar diariamente por este sim, que um dia dissemos, como se de uma campanha de vacinação se tratasse. Não devemos alegar a falta de tempo ou outras desculpas para darmos o nosso testemunho de vida e de fé para atrair os cristãos que possam andar perdidos dos caminhos do Senhor. Por isso, anunciar a Boa Nova deve sempre reger o nosso pensamento e o nosso coração mesmo para os cristãos de hoje.


- JOVENS
SEM - A menos de um ano das JMJ no Brasil, que gostaria de dizer, a nós jovens, no que respeita às diversas vocações, nomeadamente de que modo, é que a igreja nos poderá seduzir num mundo cheio de tantas tentações? No seu entender esta matéria é ainda um assunto tabu entre os jovens?

IRMÃ ESPERANÇA - Se olharmos para a juventude de ontem, e para a juventude do hoje podemos verificar que falar de vocação é falar de um desafio para eles. Esta temática pode ser um bicho de sete cabeças, se considerarmos em primeiro lugar a separação da família, da vida mundana e de tantas outras tentações, que a igreja não condena mas orienta para outras estradas… Porém, penso que na atualidade este assunto das vocações já não é tabu para a maioria dos jovens devido à informação que têm, no entanto, pode surgir no grupo de amigos um certo desconforto e falta de sensibilidade de acolher muitas vezes os jovens que decidem enveredar pela vida religiosa ou sacerdotal. Assim, porque não apelar à motivação dos jovens na entreajuda perante estas escolhas mais difíceis, se assim se poderá dizer, uma vez que não são tão comuns como o matrimónio, por exemplo.


- ORAÇÃO
SEM - Para concluirmos esta grande entrevista, qual é a sua opinião sobre a anorexia dos cristãos? Isto é, que impedimentos pensa existirem para que a maioria dos cristãos não alimente a sua fé, a sua espiritualidade, através da oração no quotidiano da sua vida pessoal e profissional?

IRMÃ ESPERANÇA - Penso que nos devemos alimentar da palavra de Deus, pois é Ela o verdadeiro alimento, para que não fiquemos doentes e possamos desta forma ficar anoréticos…Que a sua palavra venha curar as nossas fraquezas e nos faça crescer no bem fazer, nas boas obras, nas boas ações e na ajuda aos irmãos que mais precisam. Um dos impedimentos “à alimentação” da fé da maioria dos cristãos reside na fraqueza espiritual na oração, ou seja, há uma passividade quotidiana na dedicação pessoal e profissional a Deus por intermédio da oração.