quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Destinos turísticos irresistíveis

Já que tantas empresas pugnam por apesentar destinos atraentes para a passagem de ano, também nós fomos ao Evangelho segundo S. Marcos (mas os outros Evangelistas ainda deram uma mãozinha) a procurar destinos inesquecíveis para uma noite única: entrar no ano 2015 de Bíblia na mão!!!






Reveillon Fraterno

Oração para a mesa no jantar desta noite de Passagem de ano.


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz 2015


JÁ NÃO ESCRAVOS, MAS IRMÃOS

1. No início dum novo ano, que acolhemos como uma graça e um dom de Deus para a humanidade, desejo dirigir, a cada homem e mulher, bem como a todos os povos e nações do mundo, aos chefes de Estado e de Governo e aos responsáveis das várias religiões, os meus ardentes votos de paz, que acompanho com a minha oração a fim de que cessem as guerras, os conflitos e os inúmeros sofrimentos provocados quer pela mão do homem quer por velhas e novas epidemias e pelos efeitos devastadores das calamidades naturais. Rezo de modo particular para que, respondendo à nossa vocação comum de colaborar com Deus e com todas as pessoas de boa vontade para a promoção da concórdia e da paz no mundo, saibamos resistir à tentação de nos comportarmos de forma não digna da nossa humanidade.
Já, na minha mensagem para o 1º de Janeiro passado, fazia notar que «o anseio duma vida plena (…) contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar».[1] Sendo o homem um ser relacional, destinado a realizar-se no contexto de relações interpessoais inspiradas pela justiça e a caridade, é fundamental para o seu desenvolvimento que sejam reconhecidas e respeitadas a sua dignidade, liberdade e autonomia. Infelizmente, o flagelo generalizado da exploração do homem pelo homem fere gravemente a vida de comunhão e a vocação a tecer relações interpessoais marcadas pelo respeito, a justiça e a caridade. Tal fenómeno abominável, que leva a espezinhar os direitos fundamentais do outro e a aniquilar a sua liberdade e dignidade, assume múltiplas formas sobre as quais desejo deter-me, brevemente, para que, à luz da Palavra de Deus, possamos considerar todos os homens, «já não escravos, mas irmãos».

À escuta do projecto de Deus para a humanidade
2. O tema, que escolhi para esta mensagem, inspira-se na Carta de São Paulo a Filémon; nela, o Apóstolo pede ao seu colaborador para acolher Onésimo, que antes era escravo do próprio Filémon mas agora tornou-se cristão, merecendo por isso mesmo, segundo Paulo, ser considerado um irmão. Escreve o Apóstolo dos gentios: «Ele foi afastado por breve tempo, a fim de que o recebas para sempre, não já como escravo, mas muito mais do que um escravo, como irmão querido» (Flm 15-16). Tornando-se cristão, Onésimo passou a ser irmão de Filémon. Deste modo, a conversão a Cristo, o início duma vida de discipulado em Cristo constitui um novo nascimento (cf. 2 Cor 5, 17; 1 Ped 1, 3), que regenera a fraternidade como vínculo fundante da vida familiar e alicerce da vida social.
Lemos, no livro do Génesis (cf. 1, 27-28), que Deus criou o ser humano como homem e mulher e abençoou-os para que crescessem e se multiplicassem: a Adão e Eva, fê-los pais, que, no cumprimento da bênção de Deus para ser fecundos e multiplicar-se, geraram a primeira fraternidade: a de Caim e Abel. Saídos do mesmo ventre, Caim e Abel são irmãos e, por isso, têm a mesma origem, natureza e dignidade de seus pais, criados à imagem e semelhança de Deus.
Mas, apesar de os irmãos estarem ligados por nascimento e possuírem a mesma natureza e a mesma dignidade, a fraternidadeexprime também a multiplicidade e a diferença que existe entre eles. Por conseguinte, como irmãos e irmãs, todas as pessoas estão, por natureza, relacionadas umas com as outras, cada qual com a própria especificidade e todas partilhando a mesma origem, natureza e dignidade. Em virtude disso, a fraternidade constitui a rede de relações fundamentais para a construção da família humana criada por Deus.
Infelizmente, entre a primeira criação narrada no livro do Génesis e o novo nascimento em Cristo – que torna, os crentes, irmãos e irmãs do «primogénito de muitos irmãos» (Rom 8, 29) –, existe a realidade negativa do pecado, que interrompe tantas vezes a nossa fraternidade de criaturas e deforma continuamente a beleza e nobreza de sermos irmãos e irmãs da mesma família humana. Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja, cometendo o primeiro fratricídio. «O assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gen 4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros».[2]
Também na história da família de Noé e seus filhos (cf. Gen 9, 18-27), é a falta de piedade de Cam para com seu pai, Noé, que impele este a amaldiçoar o filho irreverente e a abençoar os outros que o tinham honrado, dando assim lugar a uma desigualdade entre irmãos nascidos do mesmo ventre.
Na narração das origens da família humana, o pecado de afastamento de Deus, da figura do pai e do irmão torna-se uma expressão da recusa da comunhão e traduz-se na cultura da servidão (cf. Gen 9, 25-27), com as consequências daí resultantes que se prolongam de geração em geração: rejeição do outro, maus-tratos às pessoas, violação da dignidade e dos direitos fundamentais, institucionalização de desigualdades. Daqui se vê a necessidade duma conversão contínua à Aliança levada à perfeição pela oblação de Cristo na cruz, confiantes de que, «onde abundou o pecado, superabundou a graça (…) por Jesus Cristo» (Rom 5, 20.21). Ele, o Filho amado (cf. Mt 3, 17), veio para revelar o amor do Pai pela humanidade. Todo aquele que escuta o Evangelho e acolhe o seu apelo à conversão, torna-se, para Jesus, «irmão, irmã e mãe» (Mt 12, 50) e, consequentemente, filho adoptivo de seu Pai (cf. Ef 1, 5).
No entanto, os seres humanos não se tornam cristãos, filhos do Pai e irmãos em Cristo por imposição divina, isto é, sem o exercício da liberdade pessoal, sem se converterem livremente a Cristo. Ser filho de Deus requer que primeiro se abrace o imperativo da conversão: «Convertei-vos – dizia Pedro no dia de Pentecostes – e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (Act 2, 38). Todos aqueles que responderam com a fé e a vida àquela pregação de Pedro, entraram na fraternidade da primeira comunidade cristã (cf. 1 Ped 2, 17; Act 1, 15.16; 6, 3; 15, 23): judeus e gregos, escravos e homens livres (cf. 1 Cor 12, 13; Gal 3, 28), cuja diversidade de origem e estado social não diminui a dignidade de cada um, nem exclui ninguém do povo de Deus. Por isso, a comunidade cristã é o lugar da comunhão vivida no amor entre os irmãos (cf. Rom 12, 10; 1 Tes 4, 9; Heb 13, 1; 1 Ped 1, 22; 2 Ped 1, 7).
Tudo isto prova como a Boa Nova de Jesus Cristo – por meio de Quem Deus «renova todas as coisas» (Ap 21, 5)[3] – é capaz de redimir também as relações entre os homens, incluindo a relação entre um escravo e o seu senhor, pondo em evidência aquilo que ambos têm em comum: a filiação adoptiva e o vínculo de fraternidade em Cristo. O próprio Jesus disse aos seus discípulos: «Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (Jo 15, 15).

As múltiplas faces da escravatura, ontem e hoje
3. Desde tempos imemoriais, as diferentes sociedades humanas conhecem o fenómeno da sujeição do homem pelo homem. Houve períodos na história da humanidade em que a instituição da escravatura era geralmente admitida e regulamentada pelo direito. Este estabelecia quem nascia livre e quem, pelo contrário, nascia escravo, bem como as condições em que a pessoa, nascida livre, podia perder a sua liberdade ou recuperá-la. Por outras palavras, o próprio direito admitia que algumas pessoas podiam ou deviam ser consideradas propriedade de outra pessoa, a qual podia dispor livremente delas; o escravo podia ser vendido e comprado, cedido e adquirido como se fosse uma mercadoria qualquer.
Hoje, na sequência duma evolução positiva da consciência da humanidade, a escravatura – delito de lesa humanidade[4] – foi formalmente abolida no mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável.
Mas, apesar de a comunidade internacional ter adoptado numerosos acordos para pôr termo à escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura.
Penso em tantos trabalhadores e trabalhadoras, mesmo menores, escravizados nos mais diversos sectores, a nível formal e informal, desde o trabalho doméstico ao trabalho agrícola, da indústria manufactureira à mineração, tanto nos países onde a legislação do trabalho não está conforme às normas e padrões mínimos internacionais, como – ainda que ilegalmente – naqueles cuja legislação protege o trabalhador.
Penso também nas condições de vida de muitos migrantes que, ao longo do seu trajecto dramático, padecem a fome, são privados da liberdade, despojados dos seus bens ou abusados física e sexualmente. Penso em tantos deles que, chegados ao destino depois duma viagem duríssima e dominada pelo medo e a insegurança, ficam detidos em condições às vezes desumanas. Penso em tantos deles que diversas circunstâncias sociais, políticas e económicas impelem a passar à clandestinidade, e naqueles que, para permanecer na legalidade, aceitam viver e trabalhar em condições indignas, especialmente quando as legislações nacionais criam ou permitem uma dependência estrutural do trabalhador migrante em relação ao dador de trabalho como, por exemplo, condicionando a legalidade da estadia ao contrato de trabalho... Sim! Penso no «trabalho escravo».
Penso nas pessoas obrigadas a prostituírem-se, entre as quais se contam muitos menores, e nas escravas e escravos sexuais; nas mulheres forçadas a casar-se, quer as que são vendidas para casamento quer as que são deixadas em sucessão a um familiar por morte do marido, sem que tenham o direito de dar ou não o próprio consentimento.
Não posso deixar de pensar a quantos, menores e adultos, são objecto de tráfico e comercialização para remoção de órgãos, para ser recrutados como soldados, para servir de pedintes, para actividades ilegais como a produção ou venda de drogas, ou paraformas disfarçadas de adopção internacional.
Penso, enfim, em todos aqueles que são raptados e mantidos em cativeiro por grupos terroristas, servindo os seus objectivos como combatentes ou, especialmente no que diz respeito às meninas e mulheres, como escravas sexuais. Muitos deles desaparecem, alguns são vendidos várias vezes, torturados, mutilados ou mortos.

Algumas causas profundas da escravatura
4. Hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objecto. Quando o pecado corrompe o coração do homem e o afasta do seu Criador e dos seus semelhantes, estes deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em humanidade, passando a ser vistos como objectos. Com a força, o engano, a coacção física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim.
Juntamente com esta causa ontológica – a rejeição da humanidade no outro –, há outras causas que concorrem para se explicar as formas actuais de escravatura. Entre elas, penso em primeiro lugar na pobreza, no subdesenvolvimento e na exclusão, especialmente quando os três se aliam com a falta de acesso à educação ou com uma realidade caracterizada por escassas, se não mesmo inexistentes, oportunidades de emprego. Não raro, as vítimas de tráfico e servidão são pessoas que procuravam uma forma de sair da condição de pobreza extrema e, dando crédito a falsas promessas de trabalho, caíram nas mãos das redes criminosas que gerem o tráfico de seres humanos. Estas redes utilizam habilmente as tecnologias informáticas modernas para atrair jovens e adolescentes de todos os cantos do mundo.
Entre as causas da escravatura, deve ser incluída também a corrupção daqueles que, para enriquecer, estão dispostos a tudo. Na realidade, a servidão e o tráfico das pessoas humanas requerem uma cumplicidade que muitas vezes passa através da corrupção dos intermediários, de alguns membros das forças da polícia, de outros actores do Estado ou de variadas instituições, civis e militares. «Isto acontece quando, no centro de um sistema económico, está o deus dinheiro, e não o homem, a pessoa humana. Sim, no centro de cada sistema social ou económico, deve estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que fosse o dominador do universo. Quando a pessoa é deslocada e chega o deus dinheiro, dá-se esta inversão de valores».[5]
Outras causas da escravidão são os conflitos armados, as violências, a criminalidade e o terrorismo. Há inúmeras pessoas raptadas para ser vendidas, recrutadas como combatentes ou exploradas sexualmente, enquanto outras se vêem obrigadas a emigrar, deixando tudo o que possuem: terra, casa, propriedades e mesmo os familiares. Estas últimas, impelidas a procurar uma alternativa a tão terríveis condições, mesmo à custa da própria dignidade e sobrevivência, arriscam-se assim a entrar naquele círculo vicioso que as torna presa da miséria, da corrupção e das suas consequências perniciosas.

Um compromisso comum para vencer a escravatura
5. Quando se observa o fenómeno do comércio de pessoas, do tráfico ilegal de migrantes e de outras faces conhecidas e desconhecidas da escravidão, fica-se frequentemente com a impressão de que o mesmo tem lugar no meio da indiferença geral.
Sem negar que isto seja, infelizmente, verdade em grande parte, apraz-me mencionar o enorme trabalho que muitas congregações religiosas, especialmente femininas, realizam silenciosamente, há tantos anos, a favor das vítimas. Tais institutos actuam em contextos difíceis, por vezes dominados pela violência, procurando quebrar as cadeias invisíveis que mantêm as vítimas presas aos seus traficantes e exploradores; cadeias, cujos elos são feitos não só de subtis mecanismos psicológicos que tornam as vítimas dependentes dos seus algozes, através de chantagem e ameaça a eles e aos seus entes queridos, mas também através de meios materiais, como a apreensão dos documentos de identidade e a violência física. A actividade das congregações religiosas está articulada a três níveis principais: o socorro às vítimas, a sua reabilitação sob o perfil psicológico e formativo e a sua reintegração na sociedade de destino ou de origem.
Este trabalho imenso, que requer coragem, paciência e perseverança, merece o aplauso da Igreja inteira e da sociedade. Naturalmente o aplauso, por si só, não basta para se pôr termo ao flagelo da exploração da pessoa humana. Faz falta também um tríplice empenho a nível institucional: prevenção, protecção das vítimas e acção judicial contra os responsáveis. Além disso, assim como as organizações criminosas usam redes globais para alcançar os seus objectivos, assim também a acção para vencer este fenómeno requer um esforço comum e igualmente global por parte dos diferentes actores que compõem a sociedade.
Os Estados deveriam vigiar por que as respectivas legislações nacionais sobre as migrações, o trabalho, as adopções, a transferência das empresas e a comercialização de produtos feitos por meio da exploração do trabalho sejam efectivamente respeitadoras da dignidade da pessoa. São necessárias leis justas, centradas na pessoa humana, que defendam os seus direitos fundamentais e, se violados, os recuperem reabilitando quem é vítima e assegurando a sua incolumidade, como são necessários também mecanismos eficazes de controle da correcta aplicação de tais normas, que não deixem espaço à corrupção e à impunidade. É preciso ainda que seja reconhecido o papel da mulher na sociedade, intervindo também no plano cultural e da comunicação para se obter os resultados esperados.
As organizações intergovernamentais são chamadas, no respeito pelo princípio da subsidiariedade, a implementar iniciativas coordenadas para combater as redes transnacionais do crime organizado que gerem o mercado de pessoas humanas e o tráfico ilegal dos migrantes. Torna-se necessária uma cooperação a vários níveis, que englobe as instituições nacionais e internacionais, bem como as organizações da sociedade civil e do mundo empresarial.
Com efeito, as empresas[6] têm o dever não só de garantir aos seus empregados condições de trabalho dignas e salários adequados, mas também de vigiar por que não tenham lugar, nas cadeias de distribuição, formas de servidão ou tráfico de pessoas humanas. A par da responsabilidade social da empresa, aparece depois a responsabilidade social do consumidor. Na realidade, cada pessoa deveria ter consciência de que «comprar é sempre um acto moral, para além de económico».[7]
As organizações da sociedade civil, por sua vez, têm o dever de sensibilizar e estimular as consciências sobre os passos necessários para combater e erradicar a cultura da servidão.
Nos últimos anos, a Santa Sé, acolhendo o grito de sofrimento das vítimas do tráfico e a voz das congregações religiosas que as acompanham rumo à libertação, multiplicou os apelos à comunidade internacional pedindo que os diversos actores unam os seus esforços e cooperem para acabar com este flagelo.[8] Além disso, foram organizados alguns encontros com a finalidade de dar visibilidade ao fenómeno do tráfico de pessoas e facilitar a colaboração entre os diferentes actores, incluindo peritos do mundo académico e das organizações internacionais, forças da polícia dos diferentes países de origem, trânsito e destino dos migrantes, e representantes dos grupos eclesiais comprometidos em favor das vítimas. Espero que este empenho continue e se reforce nos próximos anos.

Globalizar a fraternidade, não a escravidão nem a indiferença
6. Na sua actividade de «proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade»,[9] a Igreja não cessa de se empenhar em acções de carácter caritativo guiada pela verdade sobre o homem. Ela tem o dever de mostrar a todos o caminho da conversão, que induz a voltar os olhos para o próximo, a ver no outro – seja ele quem for – um irmão e uma irmã em humanidade, a reconhecer a sua dignidade intrínseca na verdade e na liberdade, como nos ensina a história de Josefina Bakhita, a Santa originária da região do Darfur, no Sudão. Raptada por traficantes de escravos e vendida a patrões desalmados desde a idade de nove anos, haveria de tornar-se, depois de dolorosas vicissitudes, «uma livre filha de Deus» mediante a fé vivida na consagração religiosa e no serviço aos outros, especialmente aos pequenos e fracos. Esta Santa, que viveu a cavalo entre os séculos XIX e XX, é também hoje testemunha exemplar de esperança[10] para as numerosas vítimas da escravatura e pode apoiar os esforços de quantos se dedicam à luta contra esta «ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na carne de Cristo».[11]
Nesta perspectiva, desejo convidar cada um, segundo a respectiva missão e responsabilidades particulares, a realizar gestos de fraternidade a bem de quantos são mantidos em estado de servidão. Perguntemo-nos, enquanto comunidade e indivíduo, como nos sentimos interpelados quando, na vida quotidiana, nos encontramos ou lidamos com pessoas que poderiam ser vítimas do tráfico de seres humanos ou, quando temos de comprar, se escolhemos produtos que poderiam razoavelmente resultar da exploração de outras pessoas. Há alguns de nós que, por indiferença, porque distraídos com as preocupações diárias, ou por razões económicas, fecham os olhos. Outros, pelo contrário, optam por fazer algo de positivo, comprometendo-se nas associações da sociedade civil ou praticando no dia-a-dia pequenos gestos como dirigir uma palavra, trocar um cumprimento, dizer «bom dia» ou oferecer um sorriso; estes gestos, que têm imenso valor e não nos custam nada, podem dar esperança, abrir estradas, mudar a vida a uma pessoa que tacteia na invisibilidade e mudar também a nossa vida face a esta realidade.
Temos de reconhecer que estamos perante um fenómeno mundial que excede as competências de uma única comunidade ou nação. Para vencê-lo, é preciso uma mobilização de dimensões comparáveis às do próprio fenómeno. Por esta razão, lanço um veemente apelo a todos os homens e mulheres de boa vontade e a quantos, mesmo nos mais altos níveis das instituições, são testemunhas, de perto ou de longe, do flagelo da escravidão contemporânea, para que não se tornem cúmplices deste mal, não afastem o olhar à vista dos sofrimentos de seus irmãos e irmãs em humanidade, privados de liberdade e dignidade, mas tenham a coragem de tocar a carne sofredora de Cristo,[12] o Qual Se torna visível através dos rostos inumeráveis daqueles a quem Ele mesmo chama os «meus irmãos mais pequeninos» (Mt 25, 40.45).
Sabemos que Deus perguntará a cada um de nós: Que fizeste do teu irmão? (cf. Gen 4, 9-10). A globalização da indiferença, que hoje pesa sobre a vida de tantas irmãs e de tantos irmãos, requer de todos nós que nos façamos artífices duma globalização da solidariedade e da fraternidade que possa devolver-lhes a esperança e levá-los a retomar, com coragem, o caminho através dos problemas do nosso tempo e as novas perspectivas que este traz consigo e que Deus coloca nas nossas mãos.

Vaticano, 8 de Dezembro de 2014.
FRANCISCUS

sábado, 27 de dezembro de 2014

Sagrada Família B


Evangelho segundo S. João 1, 1-18
Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na Lei do Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor», e para oferecerem em sacrifício um par de rolas ou duas pombinhas, como se diz na Lei do Senhor. Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava nele. O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino, para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo». O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que d’Ele se dizia. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; – e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações». Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela e viúva até aos oitenta e quatro. Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. Estando presente na mesma ocasião, começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré. Entretanto, o Menino crescia, tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria. E a graça de Deus estava com Ele.

Caros amigos e amigas, Jesus não é um solitário ou um herói isolado, Jesus acontece e cresce em família, ensina-nos a comunhão e a novidade de cada encontro.

Interpelações da Palavra
Recebeu-O em seus braços
Simeão viveu um advento de esperança, na criatividade de cada hora, sem perder o olhar da luz e da verdadeira consolação. Só nesta justiça de coração pode habitar Jesus e é nestes braços, como foi nos de Maria, que Jesus se deixa receber. O sorriso, cheio do Espírito Santo, de Simeão, contornado pela sabedoria e confiança, acolhe o mistério que esperara. Também nós não devemos desistir de esperar, mesmo que o tempo limite as possibilidades. Quando recebemos Jesus no colo, quando acolhemos aquele que nos acolhe, os olhos rasgam-se para a certeza da salvação e a luz dissipa o cinzento de cada espera.
São estes sorrisos, rebentos de calor e de Luz, que nos fazem acreditar, como em Maria e José, e ficar maravilhados com cada milagre que o Senhor faz nas páginas do tempo.

Não se afastava do templo
Ana também vê a família, o crescer e o caminhar de um laço divino e santo. Vê a alegria da consagração e a profecia da espada. Vê a proteção de José e a ternura de Maria. Vê a beleza do Natal, do Deus que se aproxima e se faz encontro no coração que espera. Ana vê, porque esperou a liberdade. Só um coração sedento de cor pode ver a Luz. Ana não se afastava do tempo e servia. O tempo não lhe criou vícios e mantém-se na espera porque acredita no amor, acredita na alegria de Deus. Como se deixou procurar por Deus Menino, agora canta, louva de alma jovem e sorriso de criança, fala acerca deste menino que a tornou criança de novo, aberta à novidade do mistério… pois estava lá, não se afastava do templo, onde viu a família chegar.

Crescia e enchia-se de sabedoria
A família é o abraço permanente de Deus ao Menino que nasce. Jesus aprende dos pais, Maria e José, o peregrinar constante da procura da vontade de Deus, o respeito pelas prescrições da Lei do Senhor, a descoberta da beleza da sabedoria e o acolhimento do dom da graça. Neste regaço de Deus na terra, Jesus cresce. É também nas nossas famílias, quando se deixam tornar regaços de Deus, que Jesus cresce, que o perfume da família de Nazaré nos inspira e então… acontece o Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor Jesus, Menino da família de Nazaré, estrela da comunhão e fortaleza do laço da caridade
Ensina-me o abraço de filho na doçura e docilidade, na descoberta e criatividade do tempo,
a candura de mãe na ternura e sensibilidade, no silêncio, na disponibilidade de cada espaço.
Ensina-me a vigilância de pai na justiça e sabedoria, no desafio e segurança de cada crescer.
Jesus, Menino da família de Nazaré, seja cada família um eco da beleza daquela que Te acolheu.
Viver a Palavra

Vou agradecer reforçar cada laço que se constrói na minha família.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Entrevista no presépio

Maria deu à luz o seu filho primogénito, e O enfaixou
 e reclinou numa manjedoura,
porque não havia lugar para eles na hospedaria. Lc 2,



I. A manjedoura

Até agora experimentei o peso e a mentira da geada inclemente 
perturbada pelas indecisões da noite e o volume inquieto da atmosfera.
Agora é um calor novo, alvorecido nas entranhas da noite, que tão levemente me pesa!
No côncavo da minha disponibilidade recolhe-se o fruto de um ventre humilde,
para uma nova gestação da humildade.
Trago, da trepidação de todas as árvores, o odor do chão e o segredo dos passos,
os rugidos e os terramotos daquele solo onde esta vida se vai derramar
em anúncio de conforto aos atribulados, de esperança aos pobres, de júbilo aos tristes!
Seguro o sono de Quem mantém leve a minha vigília, tornei-me o trono da alegria!
Hoje todos os desanimados podem vir até mim, deixar o pranto e ressarcir-se na alegria.
Nesta meninice há uma erupção nova, progride um sabor que acariciará cansaços e deserções.
A artimanha que faz de qualquer leito um descanso, perdeu todo o sentido,
porque aqui tudo é expectativa, tudo é exultação, daqui todos os caminhos bebem metas!
Vinde, todos vós os que andais cansados e oprimidos pela ditadura da pressa
porque em mim descansa a urgência, vibra a suavidade e agiliza-se a leveza!

II. A palha

Recordava as montanhas de viço, alimentadas por raízes presas à terra
e depois a viagem da morte até vales de secura, na eira que me dilacerou.
Ainda trazia, na superfície tisnada, vestígios do sangue loiro ao corte da foice madura.
E agora vem este sol novo a mimar-me, embala-me esta brisa fresca, feita de choro tenro.
A mão de José aconchega-me ao tesouro que todos os cofres do mundo desejariam abraçar.
A flor voltou, a rainha do trigal, a espiga madura sob o esplendor perfeito!
Corre-me por dentro uma luz líquida, mesclada de um céu de topázio!
E retribuo um calor vegetal Àquele que é o brilho e o calor novos que nunca ousei sonhar…
Estava aqui disponível para alimento de animais e agora envolvo a alimentação dos tempos,
vida amassada, sob o céu do universo, que se fará pão e vinho
numa noite em que as estrelas serão olhos, rutilantes de assombro!
A preciosidade dos céus se faz banquete, aberto a todos os comensais do mundo,
a fina iguaria dos tempos desceu, na sua confecção de humanidade,
e eu sou a baixela real onde se requinta o doce manjar!
Vinde, todos vós cuja estiagem da vida secou e encontrareis a seiva que vos reanimará!


III. As faixas de linho

Já fomos glória da beleza da terra, a nossa flor azul dançava com o céu, sob a melodia do vento
e agora a beleza consumada adorna, como uma coroa, a glória da criação!
Já sofremos mil martírios e trazemos no corpo ressonâncias de gritos e sabor a lágrimas.
Trazemos o sabor das mãos que nos ungiram com a honra do suor,
que nos sujaram de terra e nos lavaram nos rios do mundo, com aroma de rosas,
que expurgaram as nossas impurezas e nos acertaram em mil emaranhados,
que deixaram escapar das suas gretas fios de sangue e ainda os preparativos da festa.
E hoje a festa é este corpo com que Maria nos envolve ao seu mistério.
A nossa substância herbácea aconchega-se à ternura com que Deus abraça o mundo!
Podemos prender e agasalhar o agasalho do tempo, que tudo liberta.
Hoje aceitamos o bordado de Deus na superfície acabrunhada do mundo,
esta peça nobilíssima, tecida com os pensamentos da misericórdia de Deus,
este esplendor da arte mais fina que se borda nas malhas da criação.
Vinde todos os que andais dispersos, trazei as vias intermináveis da vossa solidão
porque neste tear, Deus faz das vossas estradas os fios para urdir o invento da comunhão!

IV. O silêncio

Antes eu era apenas mutismo, a superfície monótona onde a novidade se esgotava,
agora abraça-me este murmúrio que não me ignora,
harmoniza-me esta melodia que não me atira para o lodo da mudez…
Agora vem este choro que me incorpora, que se afina com a minha liberdade.
Feito de sorriso, dou provimento a esta cumplicidade que não teria sustento em ruídos.
Estes olhos desmesurados, sobre a minha anatomia maleável, fazem-me manto:
tudo se acolhe à minha sombra, no meu miolo tudo se interpreta e se pondera,
o segredo de Deus transpira nos meus poros, e hoje dou a provar… a Palavra!
Os anjos estendem com segurança as asas: suporta-as a minha delicadeza inconsútil.
O âmago do meu vazio pode ferir-se com as chagas dos cânticos que filtram a noite.
Vinde todos vós os amordaçados pela indiferença, aqueles cuja audição entorpeceu:
eu sou a mesa onde a Palavra se reparte, alimentai nela a vossa comunicação.

V. A luz

Recordo-me como sou a primícia das obras de Deus, o primeiro fruto do seu “faça-se”,
hoje reeditada e consumada neste confronto decisivo com as trevas…
Aquelas quatro estrelas, cujo “faça-se” se acende neste corpo incandescente,
são também janelas de onde jorra a minha essência…
Não me lembrava de tão alto estado em que o meu esplendor tivesse brilhado,
na alternância dos dias e das noites, nos fogos siderais, nos incêndios do universo!
Farei um facho alto com a noite e guardarei dentro dela a força de todos os sóis…
Esta noite é o corpo que transporta a Luz, noite grávida de todos os dias que vierem.
Esta é a hora de polvilhar todas as obscuridades com a verdade,
é a hora de acordar os que dormiam sedados pelo conformismo!
Vinde todos vós que sois os habitantes das trevas e das sombras da morte,
vinde ver brilhar a Luz do mundo, acendei-vos na sua aurora!

Natal 2014
Ir. Maria José Oliveira

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Natal do Senhor - Ano B



Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este primeiro recenseamento efectuou-se quando Quirino era governador da Síria. Todos se foram recensear, cada um à sua cidade. José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe. Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz; e eles tiveram grande medo. Disse-lhes o Anjo: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». Imediatamente juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados».

Caros amigos e amigas, no Natal a história de Deus veste-se da humildade da história humana e convida-nos a descobrir a beleza gratuita do amor de uma criança.

Interpelações da Palavra

Deus vem como mendigo de amor!
Já não aguentava mais, não conseguia mais reprimir o desejo de ser o Emanuel, o Deus connosco, num eterno dom de amor! Decididamente vem ao nosso encontro naquele espaço que é verdadeiramente nosso: a vida humana! Sim, Deus quis amar-nos com um coração de carne e, por isso se faz fome, gemido, lágrima, necessidade, carícia, na ingénua fragilidade de uma criança. Admirável inversão de lugares: a potência cede o lugar à fragilidade, o eterno entra no tempo, o criador torna-se criatura, o universo cabe numa manjedoura! Deus faz-se imagem e semelhança dos homens! Agora cada pessoa é uma janela do céu! No ténue batimento do coração humano bate agora o coração divino! “O nosso coração está ferido da beleza e do amor infinito de Cristo” (Tolentino Mendonça). Deus toma o lugar do homem, aquele mais frágil, pobre e excluído, para lhe dar o lugar no céu.

O sorriso de Deus numa criança
Maria acaricia a pele do menino, escuta cada pequeno gemido, acolhe a frágil humanidade de Deus. José, com infinito respeito e coragem, abraça-o junto do coração com ansiedade e esperança. Eles sabem que aquele bebé, carne da nossa carne, tornou-se morada do Altíssimo! O invisível repousa agora no sorriso de uma criança. Em Jesus, eternamente surpreendente, é narrado o Deus que se deixa tocar e beijar, acariciar e abraçar, dependente completamente do homem, sujeitando-se a nascer para que o homem possa nascer de novo. E de natal em natal, gerar em nós filhos de Deus!
Ecoa ainda aquela melodia celestial entoada pelos anjos que inaugura um mundo novo. Os anjos cantam Jesus e cantam também por mim e por ti sempre que renascemos fazendo florescer o futuro! E os pastores numa humilde liturgia deixam-se contagiar pelo canto peregrinando até ao Deus peregrino do homem!

Ser o presépio de Deus
Não havia lugar para a Sagrada Família porque não há lugar para aquele que nasce do céu! A escandalosa pobreza do Filho de Deus na manjedoura contrasta com a esplendorosa glória cantada pelos anjos. Pobreza e glória estão agora eternamente abraçados, para sempre inseparáveis. Nas mãos daquela criança, o abismo da nossa miséria acolhe a ilimitada misericórdia! Um estábulo da periferia torna-se o paraíso quando Deus é acolhido! A noite mais escura não impedirá que resplandeça a luz!
A gruta de Belém continua aberta ao mundo, à espera que eu e tu entremos! “Ah, se o teu coração pudesse tornar-se presépio, Deus mais uma vez, nesta terra, tornar-se-ia criança” (Silésio)! E contigo, caro amigo e amiga, viveria o Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Doce Menino de Belém, quem me dera contemplar-te com o mesmo olhar de Maria e de José!
Quero visitar a aurora que me visita, pressurosamente como os pastores e os magos,
Hei-de cantar e anunciar a todos, como os Anjos, a imensa alegria da luz que rasga a noite,
Quero abraçar o teu mistério como a manjedoura que acolheu a tua humildade…
Quero permanecer junto de ti, receber de ti, dar-me a ti, aprender de ti, crescer em ti, viver de ti!

Viver a Palavra

Vou honrar o nascimento de Jesus através de gestos concretos de proximidade com os irmãos mais humildes.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

IV Domingo Advento A


Evangelho segundo S. Lucas 1, 26-38
Naquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José, que era descendente de David. O nome da Virgem era Maria. Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela. Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim». Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?». O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril; porque a Deus nada é impossível». Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».

Caros amigos e amigas, no caminho de Advento, acompanha-nos Maria. O diálogo íntimo entre a virgem de Nazaré e o Anjo é um convite a não desperdiçar o momento favorável dos encontros decisivos, a abrir o coração à surpresa de um amor que nos ultrapassa e a responder totalmente com plena alegria!

Interpelações da Palavra
“Ave, cheia de graça”!
Num recanto esquecido da Galileia, quando ainda se sentia o perfume das núpcias de José e Maria, o mensageiro celeste, atordoado pelas vertigens de tão nobre missão, declara o júbilo divino diante do coração da humilde criatura: “Alegra-te! És a cheia de graça”! A primeira palavra de Deus é sempre um convite à alegria! Quando Ele vem a vida fica cheia de graça, floresce de alegria, torna-se fonte de beleza.
Por seu lado, a jovem de Nazaré acolhe a doce melodia do Anjo ainda que perturbada por tão grande anúncio e surpresa! Perplexa porque, em Maria, Deus inclina-se diante da serva, o Sol enamora-se da beleza humana, o Criador entrega-se totalmente à fragilidade da criatura! De facto, Deus diz sim a Maria antes que ela dê qualquer resposta ao jubiloso anúncio. Ele continua a dizer sim à alegria de cada um de nós!
Ainda hoje, Deus não vem lamentar-se, mas vem alegrar e encher de vida a existência. Também nós somos cheios de graça, grávidos de céu, ricos apenas da gratuidade amorosa de Deus.

Ave!... Não temas!... Darás à luz!...”
São estas as palavras que Maria acolhe no silêncio e na entrega. São sempre estas as palavras de Deus dirigidas a mim e a ti. Sim, alegra-te, multiplica a alegria, vive de júbilo, exulta de amor! Sim, não temas, não temas principalmente o amor, porque quando Deus está presente o medo se dissolve, porque não estás só! Sim, resplandecerá à tua volta a vida e ela brilhará fecunda, frutuosa e doce!

“Eis! Faça-se!”
Em Maria, Deus encontra uma casa, um lugar feito de humanidade, de humildade, de alguns medos e de tanta disponibilidade. Maria é a casa de Deus e, no seu seio, é lançada a semente da vida nova! Nada e ninguém será agora estéril! Nela, céu e terra se encontram, se amam e abraçam. Dentro do silêncio, na arte materna do acolhimento e na disponibilidade de servir, Maria é toda de Deus! O Amor conquista totalmente Maria e ela entrega-se: eis o meu corpo, antecipando a entrega eucarística do seu Filho na última ceia e no calvário.
Deus é ainda hoje mendigo da nossa humanidade, procura em nós a casa da eternidade, convida à alegria de um abraço que regenera e faz resplandecer a vida.
O Anjo terá regressado ao céu entoando o sim maternal de Maria na disponibilidade em tecer no seu seio o Filho de Deus e a nova humanidade! Apressemo-nos também nós, amigos e amigas, a gerar o advento do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, ofereces-me como regaço de paz e de esperança, a mãe do Rei,
ofereces-me como educadora da alegria, a serva do canto de louvor.
Senhor, quero com Ela aprender a música do salmo da esperança
entoado em cada gesto de acolhimento de ti, em mim e no irmão.
Quero com Ela aprender a letra do salmo do serviço
que se declama na criatividade de primeirear a doação gratuita de mim.
Senhor, também quero, como Ela fazer-me terreno de vida, fecundidade,
entrega ao teu desígnio, casa da eternidade, missionário da alegria e da esperança.

Viver a Palavra

Vou semear esperança nas situações limites de discórdia e desolação.

sábado, 13 de dezembro de 2014

III Domingo Advento B


Evangelho segundo S. João 1, 6-8.19-28
Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. Foi este o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram, de Jerusalém, sacerdotes e levitas, para lhe perguntarem: «Quem és tu?». Ele confessou a verdade e não negou; ele confessou: «Eu não sou o Messias». Eles perguntaram-lhe: «Então, quem és tu? És Elias?». «Não sou», respondeu ele. «És o Profeta?». Ele respondeu: «Não». Disseram-lhe então: «Quem és tu? Para podermos dar uma resposta àqueles que nos enviaram, que dizes de ti mesmo?». Ele declarou: «Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías». Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram: «Então, porque baptizas, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?». João respondeu-lhes: «Eu baptizo na água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias». Tudo isto se passou em Betânia, além do Jordão, onde João estava a baptizar.

Caros amigos e amigas, a figura de João Baptista marca o tempo de advento com o seu alegre desejo de Deus, preparando e indicando a Sua presença no meio de nós.

Interpelações da Palavra
Enviado por Deus… para dar testemunho da luz
Admirável missão de João Baptista, a de ser anunciador não do mal, pecado ou tristeza, mas profeta do sol, anunciador da luz, testemunha do futuro, precursor de um Deus enamorado e discreto no meio do seu povo.
O nosso tempo é tempo de luz. O outro é sempre uma testemunha, alguém através do qual nos chega uma palavra que nos faz olhar para a frente, nos faz sair do recinto das seguranças, levando-nos a entrever a salvação que vem ao nosso encontro. Todos somos convidados a ser profetas da luz que regenera a vida! Como João mais vale acender uma pequena vela do que maldizer toda as sombras, mais vale entrever o brilho de uma estrela do que amaldiçoar a noite, mais vale semear um raio de sol do que disseminar percursos de escuridão, mais vale ser voz que dá testemunho da luz do que arrastar o mundo numa eterna via-sacra.

Quem és tu?
Pergunta irritante e repetida continuamente. Contudo, João com as peles esticadas pelo jejum, coberto de couro de camelo e com a voz cavernosa que ecoava como um trovão na vasta solidão do vale até ao Jordão, apenas repetia: não sou, não sou, não sou! Esta é a elegante resposta de quem conhece o seu humilde lugar no mundo pois ninguém se diz a si mesmo! Só quando reconhecemos que não temos todas as respostas é que nos colocamos à procura, dispostos a andar mais longe, pedindo a esmola de uma voz que nos diga quem verdadeiramente somos! Na verdade, somos apenas paciência e espera, frenesim e sonho, sorriso frágil e inquietação diante d’Aquele que vem ao nosso encontro para nos revelar a nossa identidade de filhos!
João era apenas a voz emprestada a Deus, mas voz grávida de esperança e alegria pela Sua vinda.

A filigrana da alegria
João não é um profeta das desgraças, trombudo e triste. Pelo contrário, toda a sua vida está intimamente ligada à alegria: “Terás alegria e júbilo” anuncia o Anjo ao seu incrédulo pai Zacarias; “João exultou de alegria” no seio de sua mãe Isabel quando ao seu encontro veio de Nazaré a prima Maria, dando-lhe assim o tom para a alegria do Magnificat; e na despedida do mundo, antes de ser decapitado, ele grita: “o amigo do Esposo exulta de alegria com a voz do esposo. Agora a minha alegria está completa”. Aquele que vivia nas margens do Jordão, junto da terra prometida, na fronteira da sala de núpcias, fica à porta para melhor nos indicar o caminho de um mundo novo, cheio de alegria. João abre a porta d’Aquele que nasce em nós quando abrimos o coração e escutamos a voz de Deus. Ele é, caros amigos e amigas, o precursor da alegria do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, os rumores que te anunciam vestem novamente o meu coração com a alegria,
a proximidade da tua voz faz estremecer o ambiente, com o hálito de um mundo novo!
E eu salto, seja deserto ou seja jardim, pois a tua presença tudo cobre de perfumes.
Senhor, faz-me instrumento da tua paz, transparência da tua misericórdia,
faz-me estandarte da tua alegria, sinal de que não abandonas os que te esperam.
Que o mundo possa ver nos meus gestos, palavras e sorrisos a cor tua proximidade!
A tua paz está rente à minha esperança, a tua vinda está junto à minha aceitação:
que pela minha voz se possa respirar, de novo, na nossa terra o sopro do Evangelho.

Viver a Palavra

Vou cuidar que cada um que me encontre veja em mim a profecia da alegria de Deus.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Imaculada Conceição



Evangelho segundo S. Lucas 1, 26-38
Na tarde daquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José, que era da descendência de David. O nome da Virgem era Maria. Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela. Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim». Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?». O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril; porque a Deus nada é impossível». Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».

Caros amigos e amigas, em Maria encontramos a beleza que Deus espera da humanidade. Mas ela é mais do que um modelo a imitar. Ela é aquele regaço que nos segreda Jesus, é aquele ouvido que nos escuta a fragilidade, é aquela decisão que nos pede para “fazer o que Ele disser”, é enfim aquele esteio inabalável a quem no Calvário nos podemos encostar.

Interpelações da Palavra
De portas abertas
Depois de apresentar a jovem de Nazaré, Lucas refere que o Anjo pôde entrar “onde ela estava”. E este detalhe não é desprezível. Ele deixa-nos perante alguém que pratica a hospitalidade para com Deus. Maria é uma jovem de portas abertas ao mistério de Deus, capaz de correr o risco de receber uma voz, um pedido, um desafio… Ser pessoas de portas abertas para Deus é realmente um risco repleto de oportunidades. Trata-se de uma atitude bem diferente daqueles que se gradeiam nas suas seguranças, na sua autossuficiência. Ter as portas abertas permite que a brisa do Espírito de Deus dance em nossa casa e traga vozes e apelos. As portas abertas, se permitem que alguém entre, também permitem que saia. Elas significam essa disponibilidade para a liberdade dos outros.
E no fim, o Anjo pôde sair, deixou-a nesse espaço da fé, em que apenas Ela e Deus poderiam dialogar…

Que saudação seria aquela
A avaliar pela perturbação de Maria, a saudação do Anjo foi algo de inesperado, de inusual. Isto dá-nos uma ideia de como o Anjo ficou deslumbrado à vista de Maria. O Anjo, que vinha do Céu, pôde surpreender-se ao encontrar o mesmo Céu em Maria, de uma forma plena… a plenitude da Graça e a plenitude da presença de Deus, são o céu. Maria está repleta de Deus, Ele é omnipresença em si. A cheia de Graça, com quem o Senhor está, manifesta o Céu. Sem títulos de nobreza, sem recursos extraordinários, sem maquilhagens, apenas o seu ser entregue ao artista divino que a pôde adornar de todas as graças.
Amigos e amigas, Maria é a escola para frequentar o Céu. Ela é o estágio da salvação, Ela é aquele aroma que aos nossos sentidos revela a grandeza da peregrinação só iniciada, e que avança com um “faça-se”. Ela é o cálice que acolhe o vinho novo, generoso, o vinho da alegria e da festa que será sangue no calvário: é o testemunho de que a humanidade é capaz de acolher a Deus e tornar-se percurso da sua salvação. Aproximar-nos de Maria é muito mais que devoção de piedade: é entrar no mistério do Verbo de Deus que se faz “carne” que vem “habitar entre nós”.

Eis a Escrava do Senhor, faça-se…
Esta é a mais bela frase de amor, o mais belo canto que a criatura pode entoar ao seu criador! Aqui está encerrado todo o “magnificat”, todo o reconhecimento da grandeza de Deus e toda a disponibilidade para se entregar a ela. Maria é toda de Deus. Ela não põe limites à acção de Deus em si própria.
Amigos e amigas, Maria testemunha-nos que não é o reconhecimento da nossa pequenez que nos faz pequenos, mas que faz participar, na única grandeza de Deus, o nosso ser realmente pequeno, porém amado num amor levado até ao extremo. Ela é a “mãe do amor formoso”, ela transpira para nós o suave odor do Evangelho!


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, eis-me ouvido e regaço para acolher a mensagem sempre nova do teu propor.
De Maria, a Cheia de Graça, aprendo a perturbação da fé que me faz aproximar do Teu projeto.
aprendo a coragem na novidade que me torna, também, mãe na Palavra.
 aprendo a dúvida sedenta de verdade que me converte em tenda do Espírito.
De Maria, a Cheia de Graça, aprendo a disponibilidade gratuita que me lança na doação.
Senhor, faça-se em mim, como em Maria, segundo a Tua Palavra.

Viver a Palavra

Vou cuidar um coração grato e atento à novidade de Deus em cada irmão.