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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Batismo B


Evangelho segundo S. Marcos 1, 7-11
Naquele tempo, João começou a pregar, dizendo: «Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias. Eu baptizo na água, mas Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo». Sucedeu que, naqueles dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia e foi baptizado por João no rio Jordão. Ao subir da água, viu os céus rasgarem-se e o Espírito, como uma pomba, descer sobre Ele. E dos céus ouviu-se uma voz: «Tu és o meu Filho muito amado, em Ti pus toda a minha complacência».

Caros amigos e amigas, com o Baptismo do Senhor terminamos o ciclo do Natal e ali, junto do Jordão onde com Cristo fomos baptizados, somos convidados a escutar a Palavra que “se fez carne e habitou entre nós”. Este Evangelho ajuda-nos a entender quem é Cristo e a sua missão e quem é o Cristão e a sua missão.

Interpelações da Palavra
Mais forte do que eu…
Bem sabemos a quem é que João Baptista se refere. Quando fala em “mais forte do que eu” não se refere aos soldados, nos seus trajes bélicos, que o visitavam com perguntas pertinentes; ele não se refere à astuta Herodíades que tramava projectos para o eliminar; ele não se refere à sensual Salomé que obtinha prémios com as suas danças provocantes; ele não se refere ao volúvel Herodes que, com apenas uma ordem, ceifa uma vida. Amigos e amigas a força de que fala João nem está no armamento, nem na astúcia, nem na provocação, nem no poder. João Baptista não teme estas “forças” ambíguas e fugazes. A força a que ele se submete é a verdade, a força desenhada pelo Espírito Santo, naquele que é o Filho do Altíssimo.
João vê em Jesus o vencedor de todas as formas de força temporárias, vazias e inúteis. Ele representa a força definitiva. A força (afinal!) frágil de Deus… a força e o poder indestrutíveis do amor.

Ele veio de Nazaré da Galileia
Jesus vem de Nazaré, dessa terra marginal e sofredora, de onde ninguém pensa que possa surgir “coisa boa”. Em Jesus, que vem de Nazaré, Deus pisa os nossos caminhos alienados pela injustiça, sangrados pela violência, feridos nas chagas dos pobres, dos mal-vistos e dos mal-amados. Deus visita o seu povo que O anseia “como terra árida sequiosa”! Os caminhos de Deus passam a ser os caminhos da humanidade. Jesus pisa o mesmo trajecto que pisam os pecadores até ao rio Jordão em busca de uma purificação, de uma palavra, de um gesto que os faça regressar novos e disponíveis para a esperança… O rasgar dos céus confirma essa proximidade de Deus. Ele confirma o que já tinha dito a Moisés no Horeb: é um Deus que “vê, que ouve e que desce”. Ele derrama-se do seu Céu longínquo e inatingível, na nossa terra esquecida, árida e sem sabor para a fecundar de vida nova. Por isso, não mais a nossa terra, a nossa Nazaré, onde desenhamos os passos de cada dia, poderá ser amaldiçoada, nem considerada infecunda! Se vivermos d’Ele os nossos passos serão sementes!

Filho muito amado
No seu desígnio de nos ajudar a descobrir quem é Jesus, Marcos fotografa este momento em que o próprio Pai do Céu apresenta o seu ungido, O unge publicamente com o óleo do Espírito de Amor. A humanidade de Jesus, que é também a nossa, é modelada com as mãos feitas de voz e de amor. Esta declaração é fonte de uma esperança imensa: se Jesus é o “muito amado”, Ele também será Aquele que muito ama. É como um incêndio que se comunica. O amor de Deus jamais deixará de tomar o mundo e aqueles que nele habitam.
Na última frase do texto está reeditada a imagem da criação. Jesus é a nova criação. Jesus é também o novo Sinai, o depositário da Nova Aliança. Os céus e a terra, as realidades que nos tocam as mãos de todos os dias e os mistérios que os nossos sentidos não podem atravessar ficaram com a tonalidade da Voz amante, ficaram com a ondulação imprimida pelas asas leves o Espírito, subtileza incorpórea, ficaram com o sabor dulcíssimo do Amado. Por isso é que, amigos e amigas, vivemos imersos, respiramos a atmosfera do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor Jesus, ungido do Pai, acolho em deslumbramento o enlevo do Pai por ti!
Primogénito de toda a criatura, te rendo graças porque pisas os meus caminhos!
Senhor Jesus, primícias da nova humanidade, Tu és a aposta e a resposta do meu peregrinar!
Filho muito amado, Tu fazes-me experimentar contigo o abraço amante do Pai…
Esperança da nossa humanidade, mantém em mim acesa a consciência da tua presença.
Cordeiro que tiras o pecado do mundo, acolhe as minhas mãos que se expõem à tua misericórdia!

Viver a Palavra

Vou considerar a minha dignidade de filho amado do Pai celeste.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

XXX Domingo Comum A



Evangelho segundo S. Mateus 2, 34-40
Naquele tempo os fariseus, ouvindo dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus, reuniram-se em grupo, e um doutor da Lei perguntou a Jesus, para O experimentar: «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?». Jesus respondeu: «‘Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo, porém, é semelhante a este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas».

Caros amigos e caras amigas, eis aqui, compendiado numa única frase, o caminho que sacia toda a verdadeira ambição… É este o ideal de Deus a nosso respeito, é esta a nossa meta: amar. Mas amar será assim tão simples?

Interpelações da Palavra
Perguntou-lhe para O experimentar…
A trama do tributo a César fora um fracasso, era preciso montar uma nova armadilha. Os fariseus pensam encaminhar Jesus para os labirintos de normas e de leis onde eles são especialistas imbatíveis, embrulha-lo numa discussão, e… aí não seria difícil encurralá-lo com um qualquer deslize de interpretação. E eis que o Mestre dá uma resposta tão breve quanto incisiva a esses mestres, profissionais de exterioridades: revela a joia que a lei tem dentro. É como se eles andassem a mostrar o cálice, e Jesus desse a provar o néctar.
Jesus derruba-lhes a arrogância de se acharem donos de Deus e das suas graças, mostrando que o caminho está aberto a todos: amar a Deus… com a condição de amar o próximo! Apresenta-lhes um mandamento, depois outro, ambos livres de glosas e de comentários, como duas pérolas saídas do cofre da lei, a brilhar à luz do dia, um brilho onde toda a lei ganha sentido, e que reduz a nada todo o legalismo escravizante.

Amar a Deus
É fácil confundir o amor a Deus com o cumprimento de procedimentos e de obrigações… oferecer-lhe orações, sacrificiozinhos… acrescentar créditos à nossa salvação, como se a salvação viesse de uma irrepreensibilidade exterior! É como aqueles pais que dão muitas coisas aos filhos, mas raramente lhes fazem provar a doçura de um beijo, ou o mel de uma carícia e muito menos o aconchego da atenção. Somos capazes de calar com exterioridades um apelo que nos atinge muito mais fundo… o Deus que nos seduz.
A verdade é que, como os fariseus, também nós desejamos “experimentar” Deus, mas por vezes seguimos o caminho errado. Jesus mostra-nos o verdadeiro caminho para a experiência de Deus: o amor. Não podemos deixar secar a relação vital, o trato de amizade com Ele! Deus quer homens e mulheres, livres da armadura de prescrições e de protocolos, para O amar sem coações, capazes de fazer uma experiência inteira, onde nada pode ficar de fora. A tríplice repetição de todo o coração, toda a alma, todo o espírito’ revela-nos que Deus, que é tudo e só amor, nos demanda por inteiro, não pede isto e aquilo, mas pede a nossa integridade. O amor a Deus não se trata de um sentimento, é uma opção por aceitar que o amor de Deus tome posse de nós. Significa deixar-se embeber, empapar, por Deus que é amor, passarmos a ser o que Deus é, de modo que qualquer um que nos vir tem que perceber, pelos nossos gestos, palavras e obras, que somos composição do amor… que “vai ali o amor!”

Amar o próximo
Mas o amor a Deus não é também um delírio forjado nas nuvens da nossa imaginação, um calorzinho acendido a isqueiro no coração, como nas velas das nossas devoções. O amor a Deus é um fluxo semeado na terra do coração do irmão. Os dois mandamentos, que Jesus coloca lado a lado, são como dois pés que poderão caminhar longe, são como duas mãos que poderão moldar o mundo: um sozinho… não funciona! Se o “Shemá Israel” soava diariamente a todo o judeu piedoso, para lembrar o amor a Deus, Jesus coloca o amor ao irmão no mesmo patamar para indicar que o amor a Deus sem o amor ao irmão, manifestado em obras concretas, não tem solo onde possa sobreviver. Só o irmão concreto, que vive ao nosso lado, é a porta que abre o sacrário do amor a Deus.
Jesus elevará o patamar do amor “como a ti mesmo” a uma fasquia ainda mais alta: “como Eu vos amei”. Aqui está a plenitude que queremos alcançar, a estrela que nos guia e brilha no firmamento do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, Mestre do amor,
Ensina-me um coração indiviso, onde a vida és Tu e a novidade da Palavra sacie a
minha fome de ser. Ensina-me uma alma atenta, onde a luz és Tu e a beleza
da Tua presença nutra a minha terra sedenta de Ti. Ensina-me um espírito corajoso,
onde o sustento és Tu e a descoberta de cada irmão é missão e compromisso.
Senhor, Mestre do amor, desejo amar como Tu me amas… sem medida!

Viver a Palavra

Vou apostar em gestos concretos de gratidão pelo amor de Deus para comigo.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

XXIX Domingo Comum A



Evangelho segundo S. Mateus 22, 15-21
Naquele tempo os fariseus reuniram-se para deliberar sobre a maneira de surpreender Jesus no que dissesse. Enviaram-Lhe alguns dos seus discípulos, juntamente com os herodianos, e disseram-Lhe: «Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem Te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes acepção de pessoas. Diz-nos o teu parecer: É lícito ou não pagar tributo a César?». Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu: «Porque Me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo». Eles apresentaram-Lhe um denário, e Jesus perguntou: «De quem é esta imagem e esta inscrição?». Eles responderam: «De César». Disse-lhes Jesus: «Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».

Caros amigos e amigas, as perguntas que colocamos a Deus – até aquelas mais insidiosas – recebem sempre uma resposta clara e sincera que nos convidam a alargar o coração a uma desmedida que desconhecíamos.

Interpelações da Palavra
“É lícito pagar tributo a César ou não?”
A armadilha, é preciso reconhecê-lo, tinha sido bem engendrada. Demoradamente, os fariseus tinham discutido a melhor maneira de forjar uma cilada a Jesus, do qual se dizia que era o Messias. Na verdade, havia um ou dois homens que se intitulavam Messias, mas esses não eram perigosos porque a gente não os seguia, enquanto o tal Jesus atraía enormes multidões, cheias de admiração pelos seus milagres. Por isso, convencidos da sua imposturice, os fariseus montam um estratagema simples: perguntar-lhe se, nesta terra de Deus humilhada pelo invasor romano, é lícito ou não pagar impostos ao imperador. Assim, dissesse sim ou não, cairia na ratoeira: se concordasse com o pagamento do tributo tornar-se-ia colaborador de Roma, logo falso Messias; se acedesse a não se pagar o tributo seria considerado rebelde, preso e condenado! Então, com uma lisonja melosa e hipócrita, formulam a pergunta e esperam pela resposta com uma deferência simulada. Jesus escutando-os, olhou-os com tristeza, e pediu-lhes uma moeda. A rapidez com que um retiraram a moeda, embrulhada no lenço do bolso, foi a mesma com que ouviram a resposta!

“Dai a César… Dai a Deus…”
Jesus não se deixa levar pela cantiga farisaica, nem se arma em amotinador revolucionário. Pelo contrário, diante da cilada sem escapatória, o Rabi de Nazaré abre um oceano de vida. A sua resposta, cheia de sabedoria celestial, tinha sido genial! Afinal, é preciso dar a cada um o que lhe pertence: vós que sabeis reconhecer a imagem e o nome das moedas, sabereis reconhecer o rosto e os gestos de Deus? Conseguireis descortinar e escutar as suas palavras? Sede, portanto, igualmente escrupulosos com Deus como o fazeis com os Césares deste mundo! E porque Deus vos deu muito mais, logo muito mais lhe deveis! Devolvei, dai de volta, restituí a Deus! Porque nada daquilo que tendes é realmente vosso! Na verdade, de nada somos donos, porque tudo é dom e graça. A nossa vida é um tecido de débitos, um rosário de dádivas. E há tanto amor a restituir, tanta instrução, amizade, esperança a devolver!

Dar a Deus o que é de Deus
Alguns crêem que Deus se contenta com exterioridades, promessas e algumas moedas deixadas cair no cesto das esmolas. Mas Deus espera principalmente por nós, num diálogo, presença e partilha de vida.
Se a imagem de César está na moeda, a imagem de Deus está em nós. Porque a luz da sua face deixou em nós a sua marca! Somos nós a moeda do tesouro divino; uma moeda que tem a efígie e a inscrição do imperador dos céus. Devolvamos a Deus o que é de Deus! «Não foi o céu a ser feito à imagem de Deus, nem a lua, nem o sol, nem a beleza das estrelas, nem qualquer uma das outras coisas que existem na criação. Só tu te tornaste imagem e semelhança da beleza incorruptível, sinal da verdadeira divindade, receptáculo da vida feliz, imagem da verdadeira luz, na qual, olhando para ela, te tornas aquilo que Ele é, porque por meio do raio reflectido proveniente da tua pureza imitas Aquele que brilha em ti» (S. Gregório de Nissa).
Dar a Deus é inscrever no nosso coração Cristo, é descobrir a marca original do seu mistério, a grafia do milagre, a impressão digital do dedo criador, que em Jesus se fez visível. Isso, caros amigos e amigas, fará resplandecer em nós a beleza do Evangelho.


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Mestre da verdade, ajuda-me a distinguir entre o teu amor e os poderes que não me salvam;
Rei humilde, perdoa-me as perguntas que nunca querem a tua resposta;
Pérola preciosa, diz-me que vale a pena investir em ti a minha vida;
Tesouro incorruptível, mostra-me a caducidade das riquezas que amarfanham a vontade;
Cunho do meu ser, grava a tua imagem de bondade nos meus gestos de todos os dias;
Beleza infinita, que brilhas sobre mim, que eu saiba reconhecer-te e restituir-te o meu olhar…

Viver a Palavra

Vou considerar a minha dignidade de filho de Deus e a importância de corresponder-lhe.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

XXVIII Domingo Comum A


Evangelho segundo S. Mateus 22, 1-14
Naquele tempo Jesus dirigiu-Se de novo aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo e, falando em parábolas, disse-lhes: «O reino dos Céus pode comparar-se a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. Mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram vir. Mandou ainda outros servos, ordenando-lhes: ‘Dizei aos convidados: Preparei o meu banquete, os bois e os cevados foram abatidos, tudo está pronto. Vinde às bodas’. Mas eles, sem fazerem caso, foram um para o seu campo e outro para o seu negócio; os outros apoderaram-se dos servos, trataram-nos mal e mataram-nos. O rei ficou muito indignado e enviou os seus exércitos, que acabaram com aqueles assassinos e incendiaram a cidade. Disse então aos servos: ‘O banquete está pronto, mas os convidados não eram dignos. Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas todos os que encontrardes’. Então os servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos os que encontraram, maus e bons. E a sala do banquete encheu-se de convidados. O rei, quando entrou para ver os convidados, viu um homem que não estava vestido com o traje nupcial. e disse-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?’. Mas ele ficou calado. O rei disse então aos servos: ‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o às trevas exteriores; aí haverá choro e ranger de dentes’. Na verdade, muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos».

Caras amigas e amigos, a história da humanidade é a história da paixão de Deus que não se cansa de convidar para a festa do seu Filho; é também a história de um amor, por vezes dramático e rejeitado, mas nunca derrotado.

Interpelações da Palavra
“Vinde às bodas”
Imagino a azáfama real daqueles dias antes do casamento. E imagino também a força prodigiosa do amor de Deus que percorre as ruas, convoca o mundo, no desejo de encher a sala das núpcias. Sim, neste sonho de desposar a humanidade, o encontro com Deus é sempre banquete, júbilo, dança, sorriso, beleza. Ele prepara um banquete para todos e cada um de nós, os felizes convidados! O noivo nos espera. Mais, é Ele a festa! Até parece que não suporta estar sozinho e que o inferno é a solidão. O Reino, a amizade com Jesus, ser filho de Deus são um dom, totalmente gratuito, nunca devido ou merecido. São um dom surpreendente e não um peso a suportar, um convite para uma relação alegre e não uma doutrina a seguir ou um rito cheio de rubricas a repisar.

“Os convidados não eram dignos”
O que sentirá Deus diante da humanidade cheia de desculpas, escrava da mais pequena coisa, sem tempo para a alegria? O drama divino é encontrar a sala despojada, a orquestra sem música, os copos vazios. Sem comensais, amanhã, a fragrância do pão estará apagada, a alegria do vinho adormecida, os perfumes das carnes suculentas putrefactos. Por isso, Deus nunca desiste e regressa com entusiasmo aos cruzamentos da vida, acrescentando nomes à lista dos convidados até ao mais esquecido, o meu e o teu. É a mesma força que, desbravando as dificuldades, sai ao encontro do leproso, convida à mesa os pecadores e, nunca se resignando, ressuscita os mortos. Ele festejará com todos, bons e maus, as bodas do seu Filho com a humanidade.

“Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?”
Amigo! Palavra carregada de humanidade! Mesmo assim a festa não o convertera. O homem sem a veste nupcial talvez não acreditasse que seria possível sentar-se à mesa do rei e, por isso, não trouxera o seu contributo de beleza nem a prenda da sua alegria. Ter-lhe-ia bastado pouco: uma flor dos campos na lapela e uma escovadela no pó das calças, mas sobretudo a alegria que se gera dentro, o encanto e o aleluia da festa. Estava ali sem acreditar, sem entrar no amor louco de Deus que desejava uma aliança com ele. Não deixou que a saliva do coração lhe escorresse pela vida fora, mudando a tristeza em luz, a solidão em banquete, a exclusão em comunhão!
Também nós podemos ser cristãos trajados de severidade, tristeza, silêncio. Pensamos carregar todo o pesar do mundo em vez de trazer o sorriso de Deus ao mundo. Podemos ser convidados de rosto austero e olhar apagado, que penduraram a paz e a confiança no vestíbulo da vida. Mas não esqueçamos: a veste nupcial é Jesus Cristo! É Ele a alegria da festa da vida. Revestidos da sua presença somos, caros amigos e amigas, a alegria do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, rei do banquete da graça e da verdade, rei da festa e do encontro,
preparas cada instante com o cuidado da festa e da cor;
Preparas cada espaço com a surpresa e o perfume da caridade;
Preparas o alimento de que tanto preciso para avançar, Tu o preparas e me convidas…
para este evento, que está sempre pronto a me acolher, buscas-me
na primeira hora e na última, nas encruzilhadas dos caminhos e no ruído da cidade…
Senhor, procuras-me, precisas-me na festa que é Tua…
Nesta festa permanente que preparas, sim, Tu tudo preparas para mim…

Viver a Palavra

Vou intensificar e valorizar a minha participação no banquete da Eucaristia.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor – Ano A


Evangelho segundo S. João 6, 51-50
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «Eu sou o pão vivo descido do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei-de dar é a minha Carne, que Eu darei pela vida do mundo». Os judeus discutiam entre si: «Como pode Ele dar-nos a sua Carne a comer?». Jesus disse-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a Carne do Filho do homem e não beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. A minha Carne é verdadeira comida e o meu Sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em mim e Eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os vossos pais comeram, e morreram; quem comer deste pão viverá eternamente».

Caros amigos e amigas, hoje, Jesus oferece-se em Eucaristia como nascente de amor, para que alimentando-nos do seu Corpo e Sangue, cheios do seu Espírito Santo, sejamos em Cristo um só corpo e um só espirito.

Interpelações da Palavra
“Eu sou o pão vivo descido do Céu”
Todos precisamos de alimento, obviamente de pão, mas também de afecto, de luz, de sentido, de sonhos e de felicidade. Sem pão o homem morre! E Deus quer ser, nas nossas mãos e no nosso seio, o nosso pão, alimento vital. Desde a criação Deus, numa eterna procissão, vem ao nosso encontro, procura Belém (= a casa do pão) na nossa vida, porque não suporta distâncias! Ele sonha ser o nosso pão, numa comunhão sem impedimentos, numa harmonia em que o nosso coração o absorve e Ele absorve o nosso coração, tornando-nos um só.
Deus é pai e pão, dá-se a si mesmo, e alimenta-nos como uma mãe que nutre os filhos com o seu corpo, como se estivéssemos ainda em gestação, preparando-nos para a plena comunhão, aquela consigo, com a humanidade, a criação e o universo, aquela que agora vivemos limitada mas que antecipamos em cada encontro e abraço.

“Comer a carne e beber o sangue”
Estas palavras são escandalosas! Será que Jesus, habituado às parábolas simples, fala agora uma linguagem incompreensível? Talvez não, pois todos nos alimentamos uns dos outros: da presença e sabedoria, da partilha e relação, da palavra e gestos. De outro modo, seríamos solitários, ressequidos e esfomeados! Comer e beber, tão naturais e necessários, fazem parte da nossa liturgia diária, como se a Eucaristia fosse natural e um ritual existencial! Sim, porque antes do altar da Igreja está o santuário do irmão, que é o corpo de Cristo visível e próximo, silencioso e gritante, amigo e distante, pobre e tesouro, estrangeiro e doente, que continuamente repete: aquilo que fizeres a um dos mais pequeninos é a mim que o fazes.
Afinal, Deus conhece a dor da nossa carne e do amor, sabe o que custa a vida, entende o suor das lágrimas e o sofrimento até ao sangue, numa dádiva até ao extremo. Comer a carne e beber o sangue de Jesus é, então, viver do seu amor, é deixá-lo pulsar nas nossas veias, é fazer que o nosso coração conheça a sua nascente, é ser capaz de morrer por amor porque se vive de amor! Afinal, a fé não é uma ideia, uma convicção, é muito mais: é a comunhão com uma pessoa, o Filho de Deus, feito homem, carne da nossa carne, sangue do nosso sangue.

“Quem comer deste pão viverá eternamente”
De facto, quem se alimenta daquele que se fez pão alimenta-se da sua vida apaixonada de amor. No corpo de Cristo, feito pão e vinho entregues por nós, o céu beija a terra, o Criador assume o barro da criatura, a eternidade abraça o quotidiano. A pessoa torna-se aquilo que come, configura-se naquilo que contempla, transforma-se naquele que recebe! Assimilar Jesus faz-nos filhos e consanguíneos dos habitantes da face da terra!
Cada um de nós sabe que, naquele pedaço de pão ázimo e naquele cálice onde a nossa humanidade mergulha no vinho da alegria divina, colocados sobre o altar, existe um segredo vital: somos saciados no pão de Deus para nos tornarmos também pão, nutrimento que sacia para a vida eterna. Porque o pão dos anjos é também, caros amigos e amigas, o verdadeiro pão dos filhos. E Jesus é o pão feito Evangelho!


 


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, Pão vivo, descido do Céu, Tu és o alimento que mantém a minha verdadeira vida.
O teu Pão tem os nutrientes do amor, a composição da festa, o detalhe da alegria.
O teu Pão concentra toda a misericórdia do Coração do Pai e a força do Espírito.
O teu Pão tem o sabor inefável da proximidade e a energia vivificante da tua Presença.
Eu Te louvo, Senhor, delícia dos céus, desafio à partilha, exigência de comunhão:
que possa assimilar a tua lição de entrega gozosa, ser pão como Tu, Eucaristia repartida.

Viver a Palavra

Vou considerar o imenso amor de Jesus na Eucaristia e alimentar-me deste manjar de amor.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Pentecostes C





Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».

Caros amigos e amigas, os 50 dias do tempo de Páscoa permitem-nos, à semelhança dos apóstolos no cenáculo, passar do medo para uma explosão de felicidade. Ainda hoje o dom do Espírito facilita germinar em nós as sementes de ressurreição e abrir caminhos novos de esperança.

Artista dos interiores
O Espírito Santo é o ilustre esquecido da nossa vida de fé, o eterno desconhecido e ausente na nossa relação com Deus. E, no entanto, Ele está presente, mesmo se discreto. Nunca dá nas vistas, porque prefere o espaço da interioridade, onde se fazem as confidências, onde se cria a comunhão, onde se sonha o futuro e se contempla silenciosamente o essencial. Nunca compra protagonismos nem reclama vaidades. Talvez seja essa a sua identidade: ser sempre para o outro.
Na Bíblia é chamado de Consolador (para arrancar qualquer solidão), Vivificador (para mostrar o rosto de Deus e recordar a sua palavra), Paráclito (para defender do medo) e reveste-se de formas diversas: vento, fogo, pomba… Ele é o Amor em cada amor, a alma em cada vida, o ar de cada respiração.

Misterioso respiro de Deus
É através de um sopro que Jesus transmite aos apóstolos o fôlego que animou a sua vida, a paixão e energia que o vivificou. Para Deus basta um vento, uma brisa, um sopro vital. E nós bem sabemos o quanto a nossa vida é frágil e suspensa de um simples respiro. Pessoa e respiração são inseparáveis, coexistem juntos. Respirar a “atmosfera” de Deus é viver, sonhar, amar Aquele que se respira! O Espírito Santo é a respiração de Deus.
Já nas origens Deus insuflara no barro o seu respiro e o homem tornou-se um ser vivo. Desde então o Espírito preside a tudo o que nasce, é aquele que dá vida, é a fonte da vida (Credo). Esta é a tarefa miraculosa e maravilhosa do Espírito: fazer nascer a vida, mesmo onde aparentemente ela acabou. O Espírito é capaz de tornar possível o impossível.

Perigo de incêndio
O Espírito é perigoso, devastante e inquietante. Quando pensamos que tudo acabou, que o melhor é fechar-se, que não há saídas, o Espírito escancara as portas do coração, indica caminhos de encontro e de comunhão, enche de ar renovado a vida. Aos apóstolos amedrontados, o Espírito do Ressuscitado faz descobrir uma vida nova; de enclausurados passam à aventura de enviados.
É por vezes difícil sair do nosso cenáculo. E o Espírito vem, humilde e decidido, mais forte do que o nosso desânimo, como vento que enche as velas da nossa vida, que dispersa as cinzas da morte e que difunde por toda a parte os pólenes da primavera da ressurreição.
No relato do Evangelho não se faz referência à presença de Maria. Junto dos apóstolos, acredito que Ela sorria serenamente, como se já conhecesse o rosto e o modo de agir do Espírito. No seu interior já tinha experimentado a sua presença e tinha visto dissipar-se, no silêncio, todas as perplexidades. Ela bem sabia que a semente colocada por Deus no coração dos apóstolos trazia dentro de si a força para desabrochar, florir e dar vida… para ser colheita do Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou considerar a ação do Espírito de Deus em mim e procurar abandonar-me à sua moção íntima.


REZAR A PALAVRA
 Vento dos céus, fogo de amor, Espírito de Deus!
Hoje, exponho-me a ti como terra que implora a tua fecundidade;
Quero ser terra nova, deixar germinar em mim a vida que vence a morte.
Vem a mim nos teus sete dons, abate as colinas do meu egoísmo,
lavra a minha rigidez, arranca o cultivo que não é tua sementeira,
e abre-me aos horizontes eternos que me chamam.
Opera, Tu, no meu ser, a obra em que te deliciarás!

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

III Domingo Quaresma C




Naquele tempo, vieram contar a Jesus que Pilatos mandara derramar o sangue de certos galileus, juntamente com o das vítimas que imolavam. Jesus respondeu-lhes: «Julgais que, por terem sofrido tal castigo, esses galileus eram mais pecadores  do que todos os outros galileus? Eu digo-vos que não. E se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo. E aqueles dezoito homens, que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou? Julgais que eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Eu digo-vos que não. E se não vos arrependerdes, morrereis todos de modo semelhante. Jesus disse então a seguinte parábola: «Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi procurar os frutos que nela houvesse, mas não os encontrou. Disse então ao vinhateiro: ‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontro. Deves cortá-la. Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’ Mas o vinhateiro respondeu-lhe: ‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».

Caros amigos e amigas, o Evangelho levanta sérias questões perante o sofrimento. E também nos convida a um caminho de conversão, alentados pela esperança de um Deus seduzido pelos frutos do nosso coração.

De quem é a culpa?
Que fiz eu para merecer isto? Quem é o responsável pelo sofrimento? Porque é que Deus permite a morte dos inocentes? Onde estavas, Deus? Tantos porquês sem resposta, diante dos dramas e tragédias humanas, principalmente no dia em que a dor incompreensível nos desfigura a alma. Contudo, se não encontrarmos um culpado ou uma justificação, preferimos que a culpa morra solteira…
O que acontece, na minha vida e na crónica de todos os dias, não pode ser atribuído impunemente à vontade de um Deus que se serviria dos acontecimentos para premiar ou castigar. O sucesso e o triunfo não são um sinal evidente de bênção de Deus, assim como uma desgraça, um luto, um acumular de sofrimentos não podem ser lidos como castigo dos pecados.

“Se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo”
Parece-nos evasiva a resposta de Jesus. Contudo, Ele não vê nas tragédias o dedo justiceiro do Criador. Não é Deus que arma os Pilatos desta terra, derruba torres ou acrescenta sangue ao sangue já derramado. A vida não acontece na sala de um tribunal, nem Deus desperdiça a eternidade em vinganças.
Perante os acontecimentos terríveis, Jesus convida-nos a olhar para dentro e interroga a responsabilidade de cada um. A verdadeira pergunta não é onde estava Deus, naquele dia? mas, onde estava o homem?, onde estava eu?. Na verdade, a dor não pede justificações, mas partilha; o sofrimento não procura culpados mas irmãos que saibam estar, como Maria, junto às infinitas cruzes da terra onde Cristo é ainda crucificado. De uma coisa temos a certeza: Deus está presente, “potente como o amor, impotente como o amor. Porque pode apenas aquilo que pode o amor” (Ronchi).
Se o homem não muda, se não segue outras estradas, se não se converte em construtor de paz e liberdade, então esta terra caminha para a ruína, pois alicerçada nas areias da violência e da injustiça. Se não nos arrependermos, morreremos! Talvez não no fragor dos desabamentos, mas no drama silencioso da infertilidade, na tragédia de uma vida sem sabor, no deserto de um coração ressentido e amargurado.

“Talvez venha a dar frutos”
Esta é a esperança de Deus! Um Deus que se contenta com um frágil e pobre “talvez”, movido pelo sonho de futuros frutos saborosos. Converter-se é acreditar neste Deus que não ameaça os servos de morte, mas onde o bem e a beleza possível do amanhã contam mais que a infertilidade de ontem. Há em gestação, em cada um de nós, sorrisos que iluminam, mãos que abraçam, pães que se partilham, cruzes que se carregam, dores que se segredam, confidências que se comungam… Há em cada um de nós sementes capazes, na persistência e no trabalho incansável do amor, de fecundar milagres.
O Deus de Jesus não resolve as coisas com uma varinha mágica, mas é Aquele que com a paciência do vinhateiro ama a sua criação, não se cansa de lhe querer bem, renuncia à tentação de arrancá-la. Um Deus sempre à espera que, no horizonte da estrada, reapareça o filho amado para o abraçar. E isso, caros amigos e amigas, é doce fruto do Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou criar um estilo de vida alternativo aos códigos burgueses vigentes na sociedade.

REZAR A PALAVRA
Senhor, da teimosa esterilidade da minha entrega, grito a sede que tenho de Ti
e a urgente necessidade do Teu Sol, para aquecer minhas raízes frias e minha seiva
endurecida e estática. Questionas as minhas rotinas que confundem o valioso com o útil, o bom com o que me apetece, a felicidade com o bem estar. Só a Tua bondade pode
transformar o meu “sobreviver” em criatividade, o meu “desperdício” em muitos frutos!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

X Domingo Comum


Naquele tempo, Jesus chegou a casa com os seus discípulos. E de novo acorreu tanta gente, que eles nem sequer podiam comer. Ao saberem disto, os parentes de Jesus puseram-se a caminho para O deter pois diziam: «Está fora de Si». Os escribas que tinham descido de Jerusalém diziam: «Está possesso de Belzebu», e ainda: «É pelo chefe dos demónios que Ele expulsa os demónios». Mas Jesus chamou-os e começou a falar-lhes em parábolas: «Como pode Satanás expulsar Satanás? Se um reino estiver dividido contra si mesmo, tal reino não pode aguentar-se. E se uma casa estiver dividida contra si mesma, essa casa não pode durar. Portanto, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não pode subsistir: está perdido. Ninguém pode entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens, sem primeiro o amarrar: só então poderá saquear a casa. Em verdade vos digo: Tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e blasfémias que tiverem proferido; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: será réu de pecado para sempre». Referia-Se aos que diziam: «Está possesso dum espírito impuro». Entretanto, chegaram sua Mãe e seus irmãos, que, ficando fora, O mandaram chamar. A multidão estava sentada em volta d’Ele, quando Lhe disseram: «Tua Mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura». Mas Jesus respondeu-lhes: «Quem é minha Mãe e meus irmãos?». E, olhando para aqueles que estavam à sua volta, disse: «Eis minha Mãe e meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe». (Mc 3, 20-35)

Caros amigos e amigas, há uma estranha aliança entre os familiares de Jesus e os escribas para bloquear a pregação do Evangelho. Contudo, o Mestre não se deixa aprisionar e abre caminhos novos, ao encontro da sua família que é a humanidade.

“Está fora de Si”
Todos o conheciam bem após 30 anos em Nazaré. Aprendera a profissão com o pai, José, homem de confiança. E as mulheres alegravam-se com Maria, sua mãe, quando se encontravam na fonte. Todos se recordavam das brincadeiras e traquinices do pequeno Jesus e se encantavam, com a sua presença interessada e atenta, na sinagoga. Juntos formavam uma família honrada e respeitada. Agora, sem dúvida, os seus parentes sofriam. Pobre José que lhe deixara a carpintaria para poder formar a própria família… Folias da juventude, terá exclamado algum vizinho. Maria, ainda que escondesse as penas, alimentava uma semente de confiança. O filho feito vagabundo, fora de si, anunciava um mundo ao contrário, diverso, com um Deus amigo e próximo, como um Pai!
Na verdade, toda a vida de Jesus se passa “fora”: nasce fora da própria aldeia, até mesmo fora de casa, e é visitado por Magos vindos de fora; morre crucificado fora das portas de Jerusalém e, na manhã de Páscoa, sai fora do sepulcro! Toda uma vida fora e, ao mesmo tempo, à procura dos que estão fora, dos que estão longe dos enquadramentos e parâmetros pré-estabelecidos.

“Está possesso de Belzebu”
Era inadmissível a atitude de Jesus e até perigosa. Advogado dos marginalizados, daqueles que não contam, simpatizante de prostitutas e gente de pouco respeito, sublevador de multidões… Uma vida que incomodava os poderosos e os bem pensantes. Daí a terrível acusação: possesso de um espírito demoníaco!
Todavia, “tudo será perdoado”. Consoladora e grávida de esperança a declaração de Jesus! Nada há de irremediavelmente perdido para o Senhor da vida, qualquer que seja o passado de pecado e de morte que tenha desfigurado a beleza original da nossa semelhança e familiaridade com Deus. O que não se perdoa é a perversão do significado dos milagres atribuindo a satanás o que é de Deus. Estranha doença da alma que nega o amor do Espírito, adulterando a fonte da vida, subvertendo a alegria da família em solidão.

“Quem fizer a vontade de Deus é meu irmão, minha irmã, minha Mãe”
Admirável e bendita genealogia divina que, “passando o olhar para aqueles que estão à sua volta”, rompe fronteiras e constrói uma nova arquitectura do mundo. A família de Jesus é fruto do seu olhar de amor, da escuta da sua Palavra, da partilha do seu Pão, de uma vivência. Ser de casa! Ser dos seus! Não por tradição, mas por pender dos seus lábios, por alimentar-se da sua presença, por ampliar o coração à sua medida!
Jesus não faz um apelo à desagregação da família, mas convida à dilatação da família, mais ampla daquela de carne e de sangue, além dos limites da casa, dos laços familiares, sociais ou religiosos, multiplicando o coração, retribuindo em centenas de irmãos, porque em cada pessoa há um fragmento de Deus. A família de Jesus ultrapassa os nossos sonhos. Deus é sempre excessivo, exuberante, muito para além dos nossos pensamentos e sacristias, até da fragilidade da nossa vida. Porque se o amor não for excessivo não é amor! E a única resposta é o excesso de amor.
Caros amigos e amigas, acolher este Jesus que conhece portas abertas além dos laços que aprisionam, e indica oceanos vastos e horizontes infinitos, é abrir o coração à vastidão e beleza do Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Quero entregar ao Senhor a integridade da minha vida, na obediência à Sua vontade.


REZAR A PALAVRA
Senhor, estás mesmo fora de Ti, porque aceitaste fazer parte de mim.
Arriscas vir ao encontro da minha débil entrega e fazer caminho comigo.
Senhor, estás fora de Ti, porque encarnas permanentemente na minha história.
Arriscas experimentar as vicissitudes do meu tempo e da minha estrada.
Quero fazer da minha vontade a Tua, do meu desejo o Teu.
Quero fazer parte de Ti, da Tua família, meu Senhor e meu Deus!

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Santíssima Trindade B


Naquele tempo, os onze discípulos partiram para a Galileia, em direcção ao monte que Jesus lhes indicara. Quando O viram, adoraram-n’O; mas alguns ainda duvidaram. Jesus aproximou-Se e disse-lhes: «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».

Caros amigos e amigas, a festa de hoje fala de um Deus que é comunhão, relação, família: Pai, Filho e Espírito são os três protagonistas do único rosto de Deus. Este grande mistério do amor, sem termos a pretensão de o dominar ou explicar, é para acolher amorosamente.

Deus é família
Para uns, Deus é simplesmente algo de misterioso e sobrenatural. Para outros, é um velhote de barbas brancas sentado à janela do paraíso, distante e isolado do nosso mundo, quase um sem abrigo e sem família, que pede ao homem para o fazer sair da sua eterna solidão. Para outros ainda, é uma ilógica equação matemática (1+1+1=1). Porém, Deus não é uma definição, mas é vida, caminho, experiência. Deus não se explica, mas ama-se, reza-se, experimenta-se, vive-se.
Deus não é um abismo de solidão, mas é amor que não se fecha no segredo dos deuses. Deus é festa, família, dança, relação, dom. Por Jesus sabemos que o único rosto de Deus, o verbo amar, se declina em três pessoas. São três pessoas que se amam totalmente que, nós de fora, vemos apenas um, como se fosse um oceano de amor. Cada pessoa desaparece na outra. Só quando nos aproximamos é que experimentamos a diferença do Pai, do Filho e do Espírito.
Deus é comunidade de vida e de amor de pessoas, que vivem e convivem, existem e subsistem eternamente na doação recíproca e voluntária, numa comunhão perfeita e plena de vida e amor. Deus é, ao mesmo tempo, em si mesmo, Aquele que ama, o Amado e o Amor.

Paradoxo do amor
O amor tem uma aparente contradição: por amor, cada pessoa se dá e se perde, para se encontrar e realizar na outra pessoa. Deus Pai “esquece-se” e desaparece da sua glória divina para aparecer na fragilidade humana do Filho. O Filho “esquece-se” de si, na fragilidade de um Amor que se aniquilou até à Cruz, tal era o “fraquinho” do Amor de Deus por nós, para revelar o Pai. O Espírito “esquece-se” de si e esconde-se na brisa, para abraçar o Pai e o Filho.
Este é também o modo de ser de Deus para connosco: Ele morre para nos fazer viver; Ele apaga-se para nos fazer brilhar; Ele diminui-se para nos engrandecer; Ele oculta-se para nos fazer aparecer; Ele parte para nos dar o lugar; Ele afasta-se para nos responsabilizar. De Deus aprenderemos sempre a viver com os outros, para os outros e graças aos outros. É isso viver na comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

A dança do amor é sempre plural
O amor nunca é exclusivo, mas é sempre sem medida, ilimitado, multiplicativo. Amar é viver de Deus! É viver daquela relação que nos amou primeiro.
Ensinar a arte do amor, mostrar como o evangelho se torna vida, aprender que as pessoas não vivem sem as outras, ou contra as outras, ou acima das outras, mas que vivem com as outras, para as outras, vivificadas nas outras, é iniciar a compreender o mistério trinitário da família divina.
Caros amigos e amigas, vivei o amor, ensinai a amar, assim como se ensina uma arte que se conhece, uma estrada que abre novos horizontes, algo que já todos aprendemos porque já o recebemos de Deus. Porque isso é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou guardar um tempo especial da minha semana para contemplar e adorar o mistério da Trindade.

REZAR A PALAVRA

Deus Pai, fonte de amor, de onde amorosamente mana a minha existência,
dedico-te a interpretação da minha vida, na íntima canção de ser obra Tua!
Concede-me a consciência de que permaneço no regaço da Tua paternidade.

Deus Filho, plenitude onde se consuma a minha humana peregrinação,
recebe o caudal da minha entrega,e a imensa sede que te deseja e te procura.
És a bússola e o norte, mantém-me em rota, na turbulência dos espaços.

Deus Espírito Santo,segredo que me confirma e a minha identidade revela,
entrego-me ao teu desígnio, exponho-me à Tua admirável fecundidade.
Molda-me, oleiro divino, amassa-me, faz-me de novo, até à arte em que te revejas.