quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Santa Maria, Mãe de Deus

Naquele tempo, os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura. Quando O viram, começaram a contar o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino. E todos os que ouviam admiravam-se do que os pastores diziam. Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração. Os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes tinha sido anunciado. Quando se completaram os oito dias para o Menino ser circuncidado, deram-Lhe o nome de Jesus, indicado pelo Anjo, antes de ter sido concebido no seio materno. (Lc 2, 16-21)

Caros amigos e amigas, no início de cada ano civil, formulamos mutuamente votos de “feliz ano novo”, mas talvez continuemos a lançar mão de critérios velhos, para uma vida sem novidade. Maria pode ajudar-nos a encontrar o caminho: é n’Ela que se concretiza uma nova era para o mundo… através da simplicidade da sua obediência.

Encontraram Maria, José e o menino
Ao anúncio segue-se a procura. Na pressa dos pastores, que reflete a esperança viva de quem acredita, pressa que Maria já tinha experimentado quando procura a sua prima Isabel, está a sede do encontro e este acontece. Os pastores encontraram o que procuravam, talvez mais do que esperavam: Maria, José e o menino, envoltos em simplicidade e ternura. Da contemplação do mistério emerge a necessidade da partilha. A admiração é a resposta ao mistério porque não há palavras que contenham tal luz, e a notícia faz-se vida, constrói história, porque Ele se aproxima, habita em nós.

Maria conservava todas estas coisas
Maria contempla o invisível com os olhos do coração. É assim que ela reage ao mistério que a penetra, ser mãe do menino-Deus. Só um coração simples e disponível pode abarcar tal grandeza, de um Deus que se faz carne e constrói a sua tenda no meio de nós. Maria é essa tenda, que acolhe e conserva… As coisas de Deus são ponderadas no coração de Maria, refletidas, pensadas, questionadas. O ser de Maria não fica indiferente à presença de tão misterioso hóspede. É nesse coração de mãe que as “coisas de Deus” se conservam, se ponderam… temos que aprender com Maria a conservar, a ponderar, a dialogar com o mistério que nos abraça e quer nascer de nós para o mundo. Urge sermos conservadores da graça, não como possuidores passivos da mesma, mas como geradores de amor para o mundo sedento de afeto.
«O que torna a figura de Maria tão próxima de cada um de nós é a sua surpreendente docilidade àquilo que ainda não sabe ou não compreende mas vai “ponderando-as no seu coração”. Esta é uma mulher que se admira com as palavras grandiosas, que não percebe o que Jesus diz, que tem a coragem de pedir o que mais ninguém se lembra, que pratica o protagonismo do silêncio e da fé, que avança sem ver, que permanece na dor com a mesma entrega realizada na consolação e na luz. Não é uma super-mãe. É uma mulher cheia do Espírito.»

Maria, mãe
Deus precisou de uma mãe… de um seio que O acolhesse, de uns peitos que O amamentassem, de uns braços que O envolvessem, de umas mãos que O acariciassem. Deus precisou de uma mãe… de uns olhos que O procurassem, de um coração que O esperasse, de uns pés que O seguissem…até à cruz. Deus precisou de uma mãe… de uma mãe que precisasse também dele… E como Deus só sabe amar…partilha também connosco aquela que O acolhe.
Eis a tua mãe… todos precisamos de um seio materno que nos acolha na gestação da história que está para além do tempo e do espaço. É em Maria que encontramos o abraço materno de Deus.

VIVER A PALAVRA
Como Maria, quero cultivar um coração que escuta e uma fidelidade que obedece.

REZAR A PALAVRA
Maria, Mãe! A Tua maternidade é o lugar do encontro de Deus com a (minha) humanidade, deixa-me entrar no teu segredo e olhar-te desde um coração de criança.
Quero indagar, na eloquência do teu silêncio, a inteira disponibilidade para a escuta.
O Teu interior, fecundado pelo Espírito, ensina-me a aptidão para a germinação da Palavra.
A tua humildade canta para mim a suave alegria de crer,
estimula-me a ousadia da esperança, mostra-me a origem e a força da caridade.
Maria, o teu olhar atento e vigilante, saciado de sinais, está cheio de Deus!
Tu a feliz, volve o teu olhar para o nosso mundo e irradia nele o odor da bem aventurança.
Tu que és a pedagoga de Jesus, o Deus feito homem, ensina-me a tua fidelidade de discípula.
Tu que, com José, dás o nome a Jesus, mostra-O ao nosso mundo como o doce nome da Paz.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Natal B




No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, Ele estava com Deus. Tudo se fez por meio d’Ele e sem Ele nada foi feito. N’Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam. Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. O Verbo era a luz verdadeira, que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem. Estava no mundo e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu. Veio para o que era seu e os seus não O receberam. Mas àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade. João dá testemunho d’Ele, exclamando: «É deste que eu dizia: ‘O que vem depois de mim passou à minha frente, porque existia antes de mim’». Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos graça sobre graça. Porque, se a Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. A Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer.» (Jo 1, 1-18)

Caros amigos e amigas, celebramos o Verbo… no verbo nascer. Mas, quem nasce? É ainda Jesus, ou é cada um de nós? É Jesus que quer nascer em nós, que nos convida a nascer, a deixarmo-nos ser recriados n’Ele.

O Verbo… vida e luz, nascer e ver, princípio e plenitude.
O Verbo é o princípio que nos franqueia o espaço para nascer. Nascer carrega intensamente o dinamismo da vida, pois aponta para uma ruptura constante com a morte. Celebrar o Natal de Jesus é um convite a nascer. É maravilhoso poder ainda hoje nascer, qualquer que seja a nossa idade. Uns capítulos mais à frente João narra-nos como Nicodemos ficou abalado com esta revelação. Jesus liberta-nos do pacto com uma “vida” viciada, que adormece na rotina e na insensibilidade, uma vida que se alimenta apenas na carne e no sangue... no imediato, na caducidade.
É também um convite a ver, porque o Verbo é a Luz. Sendo Deus e fazendo-Se nosso irmão, Ele escreve nos nossos olhos o reconfortante rosto de Deus que é Pai. Ele ilumina a penumbra dos nossos critérios e revela-nos a consumação da nossa humanidade peregrina: Ele mesmo, que é a plenitude.

A luz brilha nas trevas mas as trevas não a receberam
Este é o contundente drama da nossa humanidade! A habituação às sombras da arbitrariedade, torna-nos insensíveis ao esplendor da Verdade. O discípulo amado explica-nos que a Palavra Criadora entra nas entranhas da sua própria criação. É um movimento de humildade o deste Deus que desce... até nós, a ponto de assumir a nossa carne, como um inefável dom e, incrivelmente, é obsequiado com a rejeição. Como é possível que seja encarado como um estranho Aquele que conhece a composição orgânica das nossas células e o arcano dos nossos pensamentos? Como é possível que o contraste da Luz não intimide as trevas? É só possível porque em cada um de nós existe essa cega obstinação que nos encerra num nocturno eu, que tende a defender-se da denúncia da Luz, da Verdade. Porém, Deus não usa os nossos métodos drásticos, antes detém-se junto do nosso ser, com a paciência e a perseverança de um apaixonado.
Celebrar o Natal de Jesus é escutar de novo, desde os antros da noite, uma serenata amorosa por parte deste Deus pedinte que pede licença para entrar no que é seu, que suplica o que lhe pertence. Este delicado Deus que não conquista pela força mas investe em nos ganhar através do poder do amor.

E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós
Habitou. Mas ainda habita. A Palavra Criadora pode ser exalada na nossa própria carne quando deixamos que Ele a assuma, que Ele encarne de novo no âmago da nossa vida. Desde o alfabeto das nossas possibilidades, na ortografia dos nossos gestos, nos fonemas das nossas obras, pode Deus manifestar a eloquência da salvação. Todo o meu ser pode falar (de) Deus; Ele tem, em mim, uma mensagem a proclamar!
Celebrar o Natal de Jesus é deixar que a nossa carne se torne numa manifestação do Verbo, é possibilitar que Jesus anuncie, hoje na minha vida, o vigor e a beleza do seu Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou oferecer Cristo como presente de Natal a quem me rodeia.



REZAR A PALAVRA
Senhor,em Ti está o princípio, o tempo, a história... o amor.
Desces ao meu encontro e reclamas, em mim, uma morada para o Teu mistério.
Sou filho do Teu amor, Senhor. Pedinte da Tua vida e verdade, tabernáculo da Tua luz,
que não consigo reter, de tão brilhante que é, nas paredes débeis da minha tímida vontade.
Senhor, o Teu amor fez-se carne, habitas em nós. Como não poderei cantar este encontro?
Senhor o Teu amor é Palavra que abraça, como não poderei gritar esta aliança?
Louvo a Tua humildade que recria e inquieta...ontem, hoje e sempre é Natal!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

IV Domingo Advento B

Naquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José, que era descendente de David. O nome da Virgem era Maria. Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela. Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim». Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?». O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril; porque a Deus nada é impossível». Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra». (Lc 1, 26-38)

Caros amigos e amigas, o Evangelho de hoje convoca-nos a escutar a Esperança e, como aquela jovem admirável de Nazaré, a sorrir a um Anjo. A cena da Anunciação é uma narrativa profundamente bela e uma novidade total na Bíblia. Todo o texto é composto em função do mistério de Cristo, a que Maria responde com disponibilidade total.

O imperativo da alegria: Alegra-te, ó cheia de graça
A absoluta iniciativa de Deus surpreende a humanidade. A saudação da voz vinda do céu, a do Anjo Gabriel «alegra-te ó cheia de Graça» = «tu que recebeste de graça» é uma palavra de bênção, que se tornou realidade em Maria e transformou a sua vida. Maria é definida pela sua essência de criatura harmoniosa e bela. A fé é dar atenção a quem nos chama pelo nome e espera uma resposta.
A reacção de Maria é natural e humana em dupla direcção: emotiva e racional. A pergunta que faz, toca o coração do mistério: «como é que vai ser isso, se eu não conheço homem?». O mensageiro responde: «a Deus nada é impossível». Diz, com efeito, que “Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos”. Nenhuma palavra criadora é impossível a Deus. Eis a serva. “Eis-me aqui”. A palavra nasce do silêncio. O Anjo sai em silêncio. Aqui começa o grande desafio da fé. Maria na fé é o exemplo de quem procura Deus «na noite da fé» (Santa Teresa do Menino Jesus). Ela evangeliza com toda a sua pessoa e confia plenamente Naquele que nela confiou, pois só a confiança pode conduzir ao Amor.

O encontro com o mistério muda a vida
Depois deste mistério da anunciação, Maria é uma pessoa a quem foi entregue um grande segredo que mudou a sua vida. É um segredo de alegria, mas também de dor. A toda bela e cheia da ternura desmesurada de Deus, mostra-nos o evangelho da Esperança, e acompanha-nos sempre, para que a conversão do coração seja autêntica em nós.
Na Anunciação ela torna-se verdadeiramente templo, habitação de Deus. A jovem de Nazaré aparece como a amada e serva do Senhor, Virgem e Mãe. Figura singular, Ela reassume o antigo e antecipa o novo. A sua identidade está ligada à sua feminilidade e à sua maternidade. Tudo acontece na esfera do Espírito Santo, que é a fecundidade de Deus, a potência geradora do Pai. Maria foi a primeira a beneficiar dos frutos da obra da Redenção, tornando-se a imagem e o modelo, segundo o qual Deus quer refazer o rosto da humanidade.

Maria, a jovem da Páscoa
Na Anunciação, o Senhor revestiu de eternidade o tempo. Aqui antecipa-se o mistério total de Cristo realizado na sua Páscoa. A Deus nada é impossível, mas nós podemos fazer todo o possível. Na anunciação acontece a possibilidade do impossível. Aqui a vida aparece como uma fonte inesgotável de surpresa. A vinda da Palavra dependeu da palavra da jovem Maria.
Como Isaías, Maria diz o seu Eis-me aqui. A alegria da fé é submeter-se livremente à palavra escutada, por a sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade. Desta obediência, o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe é Abraão. A sua realização perfeita é a “cheia de graça”.

VIVER A PALAVRA
Quero sentir-me visitado(a) por Deus e portador(a) do divino hóspede.

REZAR A PALAVRA
Senhor, a Tua eternidade visita o meu tempo tão banal, no assomo de cada surpresa!
Vozes de anjos musicam cada detalhe, cantam a tua anunciação em cada encontro!!!
O perfume da tua tocante presença inebria de júbilo a monotonia de cada repetição.
Fazes florir a terra, na humildade de cada sinal e brilhas no milagre de cada sorriso.
Meu Deus, quero encontrar na atenção de Maria a porta que te disponibilize o meu ser;
Quero beber da fecundidade de Maria a confiança e a ousadia que geram a Esperança;
Quero colher do silêncio de Maria a serenidade e a fé em que cresças, Palavra Criadora!
Eis-me aqui, Senhor! Faça-se em mim, segundo a Tua Palavra!

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

III Domingo Advento B

Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. Foi este o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram, de Jerusalém, sacerdotes e levitas, para lhe perguntarem: «Quem és tu?». Ele confessou a verdade e não negou; ele confessou: «Eu não sou o Messias». Eles perguntaram-lhe: «Então, quem és tu? És Elias?». «Não sou», respondeu ele. «És o Profeta?». Ele respondeu: «Não». Disseram-lhe então: «Quem és tu? Para podermos dar uma resposta àqueles que nos enviaram, que dizes de ti mesmo?». Ele declarou: «Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías». Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram: «Então, porque baptizas, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?». João respondeu-lhes: «Eu baptizo na água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias». Tudo isto se passou em Betânia, além do Jordão, onde João estava a baptizar. (Jo 1, 6-8. 19-28)

Caros amigos e amigas, João Baptista é uma personagem austera e rude demais para este tempo quase natalício. Contudo, ele é a voz que nos convida a reconhecer e a testemunhar a presença de Deus no meio de nós.

Dar testemunho da luz
Último profeta do Antigo Testamento, João é testemunha da luz que nasce. É-se testemunha quando a pessoa é transformada por aquilo que viu, experimentou, viveu. A testemunha é aquele que atesta com a vida.
Ser profeta é ser testemunha da luz e não das sombras; é anunciar o bem e não a aspereza do mundo; é ser sentinela da manhã e não porta-voz dos defeitos ou pecados que assediam qualquer vida; é ser testemunha não da lei mas da graça, daquele amor imenso que penetra o universo, de um Deus libertador à nossa procura para nos abrasar com o seu sol.
Como João queremos testemunhar este Deus de luz, que fez resplandecer a vida. O cristão não testemunha obrigações e proibições, mas deixa-se maravilhar pela luz que lhe vem encontro. Mesmo tendo um coração de sombras, somos vocacionados a ser profetas capazes de entrever aquela luz que regenera a vida. O testemunho evangélico não pede muitas coisas; pede apenas de se dizer diante de Cristo na relação com os outros.

“Quem és tu?”
Ecoa ainda aos nossos ouvidos a pergunta feita insistentemente pelos enviados dos judeus a João. Ainda bem que João responde por nós: “não sou!” Sou apenas uma voz, eco da palavra, amigo do esposo que vem. Esta é a resposta daquele que se despe de qualquer papel e deixa cair todas as aparências. Esta é também a nossa verdade: não somos o que aparentamos, o que produzimos, o que ganhamos. Não somos a pessoa prestigiosa que gostaríamos nem o fracassado que tememos ser; não somos o que os outros acreditam e dizem de nós, nem um santo ou apenas um pecador. Afirmando “não sou”, João anuncia com o indicador a presença do Messias que está à porta da história da humanidade e orienta-nos o olhar para os passos de Cristo.

Ser uma voz que clama no deserto
João é a voz que grita no deserto. Esta é a nossa identidade: somos uma voz, um grito, um apelo, uma fome, uma necessidade. Somos uma voz que traz dentro o desejo de vida, felicidade, amor verdadeiro. Todos somos um grito de sede de infinito, procura ávida do eterno.
Ser “voz” é ser pessoa, é estar em relação, diálogo, com as palavras que nos atravessam e nos fazem viver. Somos peregrinos e pedintes de uma voz que nos diga, no deserto da nossa vida, quem somos verdadeiramente. E só Deus tem a resposta. Esta é a razão da nossa alegria. Só Deus é a palavra; só Deus é o coração; nós somos eco e testemunhas daquele que está no meio de nós mas, tantas vezes, não reconhecemos.
Custa-nos reconhecê-lo nas Eucaristias, nas igrejas semi-vazias, nas famílias e comunidades, nos doentes, nos pobres, nos jovens e desesperados. Contudo, Ele vem e está no meio de nós, no centro do coração de cada um e no coração da vida quotidiana. Talvez, por isso, a maior viagem é a que vai da superfície ao coração. Ocorre ir além do nosso Jordão, dos nossos umbigos, para encontrar novamente a terra prometida que é Jesus, aquele espaço do céu dado à humanidade. Ocorre ir além das nossas palavras e gritos, das vozes e barulhos, ao encontro daquele que se ajoelhou aos nossos pés para os lavar e de quem não somos dignos de desatar as correias das sandálias. Só assim, amigos e amigas, seremos testemunhas e voz do Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou ganhar consciência de que não sou a Luz e da urgência de dar testemunho da Luz.

REZAR A PALAVRA
Senhor, a tua presença alvoroça de alegria o meu mundo, no âmago da noite e do silêncio!
Senhor, Tu és o Sol nascente, que raias nesta atmosfera embaciada de pessimismos,
peço-te uns olhos de profeta que descortinem a Tua presença acesa na esperança;
apaga toda a faúlha de vaidade, enche-me os olhos da Tua Luz, para ser testemunho da Luz.
Senhor,Tu és a Palavra eterna e criadora, audível no regenerante som do silêncio;
peço-te uma boca de profeta, provida no manancial da Tua revelação,
desencarcera-me a voz, prisioneira do meu egoísmo, para ser voz que te anuncia.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

II Domingo Advento B

Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Está escrito no profeta Isaías: «Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o teu caminho. Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’». Apareceu João Baptista no deserto, a proclamar um baptismo de penitência para remissão dos pecados. Acorria a ele toda a gente da região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém, e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. João vestia-se de pêlos de camelo, com um cinto de cabedal em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. E, na sua pregação, dizia: «Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias. Eu baptizo-vos na água, mas Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo»! (Mc 1, 1-8)

Caros amigos e amigas, o Evangelho apresenta-nos a figura de João que, através da própria vida, das suas palavras e do seu baptismo de conversão, prepara a estrada Àquele que vem: Jesus Cristo!

“Princípio do Evangelho de Jesus Cristo”
Ainda bem que Marcos escreve “princípio do Evangelho de Jesus” e não redige “princípio do manual enfadonho para se ser boa pessoa”. Iniciar de Jesus é sempre um recomeço, uma nova criação, um novo génesis. Só de uma boa notícia se pode recomeçar a viver, a projectar algo novo, a atravessar os desertos. No princípio está Cristo. É Ele o fundamento. O Evangelho não é um livro, mas é uma pessoa: Jesus Cristo. É Ele o livro onde Deus colocou toda a grafia do seu coração.
“Iniciar do Evangelho” é literalmente iniciar da única “boa notícia” e não partir dos nossos pessimismos, medos, desesperos, pecados ou até boas intenções. É iniciar a partir da alegre notícia de Deus, da sua presença constante que entra no nosso deserto e semeia novos céus e nova terra.

“Voz que grita no deserto”
Se Deus se quer fazer ouvir, se quer tocar o coração dos homens, porque grita no silêncio do deserto, ali onde ninguém o pode ouvir? Porque no deserto só a verdade sobrevive. Ali só o essencial vale. No deserto de nada servem as mentiras, as aparências dissipam-se, as promessas de pouco valem, as palavras e os discursos vazios não saciam.
João Baptista recorda o essencial da vida: é pouco diplomata nos modos e etiquetas, não está preocupado com a indumentária e certamente não sabe apreciar uma bela refeição ou como usar os talheres. Mesmo se o estilo não é cativante, João grita à verdade do coração. O profeta é aquele que grita com a própria vida verdades essenciais. A nossa vida, iniciada no Evangelho, é um grito à humanidade! No deserto, mesmo quando tudo falta, Deus vem à nossa procura!
Naquele horizonte infinito, onde as estradas não estão traçadas, tudo é um convite à aventura. Sem distracções ou coisas superficiais, no meio do silêncio, o homem encontra-se a si mesmo porque encontra Deus que lhe vem ao encontro.

“Convertei-vos”
João faz-se grito do Evangelho! Aquele “convertei-vos” não se contenta com uma maquilhagem exterior, mas é um regressar Àquele que dá vida, é abater os muros que separam, é arrancar as raízes que sufocam, é endireitar os caminhos que conduzem à vida!
Mesmo assim, o movimento decisivo da nossa história e do mundo não é o esforço que de baixo tenta subir ao céu, mas é o dom que do alto desce rumo a nós. Esta é a alegre notícia: é Deus que nos persegue e alcança; a estrada a preparar é a sua.
A conversão não é principalmente uma questão de propósitos; mas é uma questão de vida e de coração! É colocar os passos nas pegadas de Cristo e caminhar decididamente atrás Dele, com a certeza que Ele é o tesouro mais precioso pelo qual vale a pena deixar tudo. Na verdade, amigos e amigas, só Ele é o Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou rever o centro das minhas prioridades: os meus olhos esperam Aquele que me vem salvar?

REZAR A PALAVRA
Senhor, leio as mensagens que envias teimosamente à minha história.
Falas-me de amor, de perdão, de mudança, de penitência…
Mas não deixo que elas transformem o meu caminhar numa procura sedenta do teu amor.
Não deixo que elas transformem o meu espaço interior num berço humilde para te acolher.
Vais chegar! Que tenho preparado para ti? Na minha pequenez desejo sentir-te.
Calo as minhas razões e justificações diante do mistério,
para que sejas tu a falar pelo Espírito que dá a vida.