sexta-feira, 31 de agosto de 2012

XII Domingo Comum B


Naquele tempo, reuniu-se à volta de Jesus um grupo de fariseus e alguns escribas que tinham vindo de Jerusalém. Viram que alguns dos discípulos de Jesus comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar. – Na verdade, os fariseus e os judeus em geral não comem sem ter lavado cuidadosamente as mãos, conforme a tradição dos antigos. Ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se terem lavado. E seguem muitos outros costumes a que se prenderam por tradição, como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre -. Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus: «Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, e comem sem lavar as mãos?». Jesus respondeu-lhes: «Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’. Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens». Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão e começou a dizer-lhe: «Escutai-Me e procurai compreender. Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro; porque do interior do homem é que saem as más intenções: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem do interior do homem e são eles que o tornam impuro».

Caros amigos e amigas, a Palavra deste Domingo continua a viagem pelo tema da refeição, que nos tem acompanhado. Desta vez, ressaltam aspectos de “etiqueta” que Jesus aprofunda através da higiene espiritual que devemos cuidar.

Conforme a tradição dos antigos
Todas as cerimónias requerem os seus rituais que procuram dar sentido à essência do que se celebra/festeja em comum. Os fariseus e os judeus eram zelosos dessas tradições, ao cumprirem fielmente os costumes prescritos. O facto de alguns dos discípulos de Jesus comerem com as mãos impuras, sem as lavar, violava a tradição e, por isso, tal desleixo questiona os fariseus. Os discípulos tinham aprendido de Jesus que Deus não é um burocrata caprichoso, mas um Pai que recebe feliz a espontaneidade e a fantasia do amor.
Na realidade, a tradição pode aprisionar-nos quando a meta é o cumprimento do ritual e não a essência da celebração. A tradição, os costumes, mais do que obrigação, devem ser caminho para o encontro com Deus e com os irmãos. Quando isso não acontece, urge redireccionar o caminho para o centro, o núcleo em torno do qual gravitamos. Cristo não viola a lei, coloca sim o foco no coração do homem e não em rituais exteriores.

Coração longe de Deus
Um coração preocupado com o tempo, os protocolos, as “etiquetas”, as tradições e os costumes, acaba por se distanciar de Deus. No banquete com o Senhor deve bastar-nos a Sua presença. Quantas vezes nos prendemos nos julgamentos do que se faz e deve fazer, do que não se fez e se devia ter feito, e esquecemos o encontro verdadeiro, livre, humilde, simples com Ele. Afinal, é por Ele que estamos e caminhamos, ou para simplesmente cumprir a lei? Será vão o nosso culto, sempre que não centramos o nosso coração em Deus e nos deixamos prender por aspectos superficiais. A nossa evangelização não passará de uma propaganda vazia ou de uma obrigação pesada, sempre que colocarmos no centro as actividades e os métodos. “O nosso programa é Jesus Cristo” (João Paulo II).

O que sai do homem é que o torna impuro
Não são poucas as vezes que justificamos as nossas falhas com as falhas dos outros. Se Cristo não me habita, o meu coração será impuro, as minhas mãos impuras, os meus actos impuros. Pode a vida provar-nos com a cruz mais pesada e difícil, mas ao permanecer em Cristo, seremos perfume do seu amor, fragrância do seu coração manso e humilde. Semeamos o que deixamos que o Senhor lance no nosso coração. Cuidemos a nossa higiene espiritual na Eucaristia fonte de graça e alimento e na Penitência abraço regenerador. As nossas mãos estarão puras quando deixarmos que seja Deus a agir em nós. O nosso coração estará nele, quando o nosso olhar contemplar o amor maior.
A verdadeira e única tradição dos cristãos é o amor. Jesus ensina-nos a amar, a permanecer em Deus, a cuidar um coração puro e disponível, a viver a Boa Nova, o Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Quero centrar o coração no Senhor e farei por encaminhar tudo para o encontro com Ele.


REZAR A PALAVRA
Senhor… perdoa-me o movimento maquinal dos lábios, as orações vazias,
poluídas de superstições... o resíduo do coração que se perdeu pelos caminhos.
Perco o fogo da minha entrega nas camadas de burocracias que me enredam.
Hoje quero oferecer-te a vida inteira, sorridente, liberta das peias do legalismo.
Quero que os rituais sejam dinamismo, marca requintada do meu genuíno amor,
que os sinais sejam condimento à beleza da peregrinação até à tua suma Beleza!
Quero passar além dos sinais, percorrendo-os na avidez de chegar a Ti!

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

XXI Domingo Comum B


Naquele tempo, muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram: «Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?». Jesus, conhecendo interiormente que os discípulos murmuravam por causa disso, perguntou-lhes: «Isto escandaliza-vos? E se virdes o Filho do homem subir para onde estava anteriormente? O espírito é que dá vida, a carne não serve de nada. As palavras que Eu vos disse são espírito e vida. Mas, entre vós, há alguns que não acreditam». Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início, quais eram os que não acreditavam e quem era aquele que O havia de entregar. E acrescentou: «Por isso é que vos disse: Ninguém pode vir a Mim, se não lhe for concedido por meu Pai». A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele. Jesus disse aos Doze: «Também vós quereis ir embora?». Respondeu-Lhe Simão Pedro: «Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus».

Caros amigos e amigas, o texto de hoje desfecha o resultado do longo “discurso do Pão do Céu”. Este, à primeira vista, parece um fiasco e a declaração final de Pedro apenas um “sucesso residual”. Mas Jesus conhece bem a linguagem da semente. Falou em pão, fez sementeira e… as sementes são sempre pequeninas!

Um discurso escandaloso
Um qualquer pregador esperaria aplausos e gestos de aprovação; Jesus leva com uma razia de protestos.
Estas palavras impopulares desfalcam o grupo dos que se diziam discípulos. E, porém, não vemos aqui um Mestre prostrado em lamentos. Jesus não está apostado num recrutamento de fãs superficiais, mas na sementeira árdua de discípulos. Ele não fala com “paninhos quentes” para camuflar a exigência; a Verdade, que é Ele mesmo, não ondula ao sabor das nossas pressões, nem se define por sondagens à opinião pública. Jesus não busca a nossa admiração, o nosso louvor, o nosso trabalho, um desempenho impecável… nem sequer a nossa, às vezes vaidosa, virtude; Jesus busca-nos a nós a fim de permitirmos ao Pai que complete em nós a obra da criação. E esta obra vai muito além da “carne” até à vida eterna. Jesus é aquela Palavra eterna, criadora, proferida pelo Pai, que, mediante a fé, dentro de nós desenvolve a gestação do “homem novo”.
Amigos e amigas, precisamos de definir muito bem onde estamos e, se estamos com Ele, temos de aceitar a ferida da sua Palavra que nos desinstala e nos abre um caminho muito claro de conversão.

Também vós quereis ir embora?
Esta pergunta é, ao mesmo tempo, severa e doce; repreensão de força e pedido de fraqueza. De força porque Jesus é o que É e não muda para nos “fazer o favor”. Não é esse o seu modo de nos conquistar, com o suborno fácil ou com a cedência a qualquer tipo de chantagem. Esta pergunta é também uma manifestação da fraqueza do amor, que nos pede para reconsiderar a ruptura com Ele. É que Ele, decididamente, não quer que partamos, ardentemente nos quer junto de Si, pois sabe que sem Ele nada podemos fazer. Mas nós só podemos estar com Ele se for de forma totalizante. Ele não quer discípulos em part-time. Dá-nos a liberdade de ir ou ficar, mas tem o seu regaço aberto para nós, mortinho por nos franquear a sua vida.
Ao fazer esta pergunta directa e interpelante, imagino o olhar de Jesus, irradiante de sedução. Era naquele mesmo olhar que o pescador Pedro tinha experimentado o mergulho mais ousado da sua vida. Para alguns discípulos oportunistas, a oportunidade de êxito temporal acabava ali. Mas Pedro já se tinha afundado naquele olhar e sabia da vastidão que se agigantava para lá daquela superfície…

Para quem iremos, Senhor? Tu tens … Tu és…
A constatação de Pedro toca o fundo do coração do discípulo. Para além d’Ele não há mais nada, não há mais ninguém; Jesus é a única meta que pode escolher aquele que quer ir até ao fim. Ele é o único descanso que toda a inquietação anseia encontrar. Ele é a beleza que encerra toda a beleza. Se eu tiver o seu rosto a fulgurar ante os meus olhos, a energia do meu andar nunca esmorecerá; se eu souber para que meta caminho, farei por corrigir os desvios dos meus passos. Precisamos constantemente de olhar para Ele, centrar n’Ele toda a ambição e as energias da vida. Precisamos de nos implantar no terreno da sua Palavra, ganhar raízes até ao seu coração, para resistir a todas as enxurradas de egoísmo! As palavras que apelidamos de duras, têm a firmeza do caminho seguro, a consistência da rota certeira. Amigos e amigas, a Palavra é Ele, mas Ele quer escrever-se em nós. Deixemos que, no papel da nossa existência, Ele imprima a força e a beleza do Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Quero conhecer melhor a Palavra de Deus que me dá vida!


REZAR A PALAVRA
Senhor, propões um caminho exigente, uma prova difícil, uma fasquia bem alta.
São duras as tuas palavras, porque ferem a frieza e a dureza do meu coração
e desinstalam o sossego estéril do meu sentir. Inflama a minha carne
 do teu Espírito, ajuda-me a calar os ruídos que me impedem de te ouvir
e fortalece os músculos adormecidos do meu coração, para acolher de ti
as palavras que me saciam e dão vida. A quem irei, Senhor, senão a ti?

Ao fundo do teu colo...


A Pietà da Catedral de Bragança

José Tolentino Mendonça

Carregas a nossa humanidade até ao fundo do teu colo
As cidades íngremes por onde passamos, as sirenes empastadas de alarme,
O peso do corpo anoitecido

Não há árvore do horto de Deus que ao alto mais pura se eleve
Mas é doloroso trabalho o do amor em que inteira brilhas
Ó Mãe indefesa como um fogo

Passas por nós devagar as mãos protetoras
E o tempo desse amor transparente e íntimo
torna brandas as tempestades em que nos consumámos

Chovemos no teu regaço a nudez dos nossos sonhos
tatuados a cinza trémula e a vazio
Mas degrau a degrau, cambaleantes subimos
Quando inclinas para nós o manto, espaço da visão aberta

Consola-nos o abraço do teu silêncio em flor
E a canção do teu sorriso nos reergue

O milagre se faz ver no fruto do teu ventre
Em ti começa a palavra prometida e plena
Por isso festejamos a roda do teu colo

José Tolentino Mendonça

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

XX Domingo Comum B


Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei-de dar é minha carne, que Eu darei pela vida do mundo». Os judeus discutiam entre si: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?». E Jesus disse-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram: quem comer deste pão viverá eternamente».

Caros amigos e amigas, a Palavra apresenta-nos uma dúvida dos judeus: Como pode Jesus dar-nos a sua carne a comer? Cristo responde-nos com uma proposta: Eu sou o pão vivo... Nesta refeição de fé, esperança e amor, somos convidados a sentar-nos à mesa e a saborear o banquete que o Senhor nos prepara.

Se não comerdes… e não beberdes… não tereis a vida
A pergunta dos judeus é também hoje a nossa: Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?
Mas para Jesus tudo é claro, se não comermos a sua carne e não bebermos o seu sangue morreremos, não teremos vida. Nele encontramos as vitaminas para o caminho, os nutrientes do amor que nos protegem do individualismo, a essência da esperança que nos fortalece nas noites escuras. Jesus não pede à multidão que apenas o toque, ou o escute, que apenas o imite ou o siga, pede-lhes e pede-nos que o comamos! Que comamos a sua carne, verdadeira comida, que penetremos na sua humanidade e nos deixemos transformar pelo seu mistério. Convida-nos a beber o seu sangue, verdadeira bebida, o sangue da entrega e do sacrifício por amor. Só nesta refeição de fé, teremos a vida, a vida que não mais tem fim, a vida eterna.

Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele
Fazer parte desta refeição, abraça-nos de tal forma que deixamos de ser nós, para ser Cristo a viver em nós. Este diálogo de amor derrete o nosso coração de pedra que acabará por se fundir no coração de Cristo. Assim, comendo a sua carne e bebendo o seu sangue, qual refeição mística e profética, permanecemos nessa atmosfera de amor, que nos possui e liberta, que nos segura e impulsiona.
Permanecer em Cristo é uma aspiração permanentemente insatisfeita. Saborear Cristo, aumenta a nossa fome dele, porque nada mais nos pode dar a verdadeira vida. Quem olha Cristo, fica viciado no amor, dependente da sua palavra, saudoso permanente do seu Espírito. Permanecemos em Cristo, porque nos sentimos sós quando, por qualquer motivo, nos afastamos dele. Permanecemos em Cristo, porque ele permanece sempre connosco, nos espera, perdoa e abraça em seu colo regenerador. Permanecemos em Cristo porque nada somos sem o seu sopro de vida que nos inflama. Fora de Cristo, estamos fora de nós, desligados da única verdade, da eterna vida, do reto caminho. Cristo é aquele que permanece e nos convida a permanecer nele. A eucaristia realiza como sinal a nossa incorporação em Cristo e nos irmãos. Não é possível permanecer em Cristo sem celebrar, adorar e viver a Eucaristia.

Aquele que Me come viverá por mim
Não podemos encerrar em nós o amor de Deus sem o difundir pelos outros (D. Abílio Vaz das Neves). Não podemos calar tal prato delicioso que Deus nos apresenta continuamente. Não podemos esconder tal tesouro que trazemos, mesmo que, “em vasos de barro”. Aquele que come Cristo, não mais terá vontade diferente da de Deus. Aquele que saboreou Cristo, abandonou-se em Seus braços e deixou que fosse Ele a conduzir o barco. Aquele que bebeu a frescura de Cristo, prostrou-se diante do mistério e deixou que a sua úncia certeza fosse o amor.
Viver por Cristo, é colocá-lo em primeiro lugar, nada antempor a Ele. Cristo dá-se em alimento, presente que nos oferece a vida eterna, basta acolhê-lo e deixar-se transformar pela vida que nunca acaba. E isso, caros amigos e amigas, é Evangelho.

VIVER A PALAVRA
Através da participação na Eucaristia, vou deixar que Cristo tome conta da minha vida.

REZAR A PALAVRA

Ó Deus, só tu sabes o que é a vida, pois és o autor vida, a ardente ambição da vida!
A revelação mais preciosa da vida é esta: quem te come viverá por ti!
Fonte originante, energia criadora, tens o sabor da eternidade e a delícia do Céu;
quero viver dependente de ti, as raízes do ser fincadas no teu amor!
Não mais viverei sob o jugo de apetites, sob a ditadura das coisas passageiras;
quero viver orgânicamente em ti, na comunhão do teu Corpo que é a Igreja.
Aceito o convite do banquete, pão amassado na entrega, vinho destilado na Cruz;
quero viver por ti e para ti, único que tens as coordenadas da minha plenitude. 

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

XIX Domingo Comum B


Naquele tempo, os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito: «Eu sou o pão que desceu do Céu». E diziam: «Não é Ele Jesus, o filho de José? Não conhecemos o seu pai e a sua mãe? Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?». Jesus respondeu-lhes: «Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que Me enviou, não o trouxer; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Está escrito no livro dos Profetas: ‘Serão todos instruídos por Deus’. Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino vem a Mim. Não porque alguém tenha visto o Pai; só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo: Quem acredita tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram. Mas este pão é o que desce do Céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo». (Jo 6, 41-51)

Caros amigos e amigas, este texto é um autêntico banquete que Deus oferece à nossa fome e sede de amor e onde o mais delicioso e nutritivo manjar é Ele mesmo. Vinde, saboreemos, alimentemo-nos e vivamos!

Serão todos instruídos por Deus
Apreciemos a agilidade dos Judeus perante as palavras desconcertantes daquele Rabi poético. Estamos habituados a isto todos os dias… a que todos opinem sobre tudo e todos, sobre o que se sabe, ou sobre o que se adivinha. Parece que já nem importam tanto os conteúdos das mensagens, temos pressa das opiniões! E Jesus propõe-nos a amorosa instrução do Pai, como a única capaz de nos transportar aos arroios da Vida e da Verdade. Jesus desafia-nos a um compromisso íntegro com a Vida e com a Verdade… que são Ele mesmo. As elaboradas reflexões que fazemos, os infindáveis conhecimentos que acumulamos sem consulta Àquele que tudo conhece, deixam-nos ficar no limiar da Vida e da Verdade, sem entrar no sabor da sua profundidade.

Quem acredita tem a vida eterna
Não ligamos à profecia de uma semente que germina, nem à do sol que rebenta os muros da noite… Só damos credibilidade a um profeta que se evidencie de forma insólita, que caia do céu aos trambolhões? Parece-nos indigna a profecia doméstica, estéreis de mensagem os detalhes da vidinha trivial. Não damos crédito a uma mensagem aflorada nos olhos daqueles com quem privamos todos os dias e que conhecemos de “ginjeira”... Este Jesus de quem conhecemos o pai e a mãe… como acreditar que tenha descido do céu? Precisamos de ver para crer. Mas ver o quê, se desprezamos os sinais? Tu, meu irmão, és uma carta onde Deus me escreve o seu amor, o teu rosto veio do céu e é mais significativo que o brilho das estrelas distantes; os teus defeitos e virtudes são um espaço onde Deus me educa e me acarinha e onde me chama à sua Vida.
Tudo veio do céu! Tudo o que me rodeia é linguagem, instrução de Deus. Jesus classifica o acreditar como a obra de Deus. De facto, não é fácil acreditar, pois significa perder-se naquilo ou naquele em que se acredita. Acreditar é lançar-se como crédito, na conta de alguém… Acreditar em Deus é lançar-se na sua Vida. Só aquele que acredita em Deus tem a Vida de Deus, porque a aceita, porque a assume.

Sou o pão vivo que desceu do Céu
O choque desta mensagem, aparentemente descabida, caía sobre um povo ainda não habituado a que um Deus imenso, longínquo e transcendente pudesse assumir a matéria criada, vestir-se dela... Os Evangelistas registam diversos banquetes em que Jesus participa. Todos eles têm a marca do requinte de alguém que sabe saborear. Jesus aplica-se a degustar tudo o que o rodeia, o sabor que o outro tem dentro.
Amigos e amigas, vejamos como Deus tem apurado o sentido do sabor! Desde o princípio Ele se delicia com a bondade e a beleza do universo que criou: “E Deus viu que era bom!” É este o Deus que quer ser saboreado pelas suas criaturas! Um Deus que, além do espiritual, também toca o mais humano, que quer deixar-se experimentar pelos nossos cinco sentidos, fazendo-se pão e vinho verdadeiros. Jesus é, realmente, pão e vinho para ser comido e bebido, mastigado, digerido e assimilado no metabolismo de quem d’Ele se alimenta. A Eucaristia é assim esta imensa possibilidade de eu comer a sabedoria, a bondade, a beleza, o amor… a vida de Deus e eu ficar incorporado na sua vida e Ele na minha. Tal invenção só poderia provir da loucura do amor de Deus. Ápice de todas as maravilhas da história da salvação, tesouro da Igreja, a Eucaristia é o inefável estratagema divino que atinge aquela ambição desmedida de o amante se transformar no amado…
E nós?! Estaremos dispostos a colocar também a nossa vida como alimento deste banquete?! Quem d’Ele participa não tem alternativa! E dar-se em alimento é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Vou encontrar um tempo de silêncio para melhor saborear a presença de Jesus como alimento.

REZAR A PALAVRA
Senhor, trigo novo, pão amassado pela certeza de fazer a vontade do Pai,
acolhe a minha fome, o meu vazio, a minha insegurança e os meus medos.
Preciso do teu pão, preciso de ti, da tua força, da tua sabedoria, do teu perdão.
Amassa o meu murmúrio no teu amor e transforma-o em sabedoria,
para poder saborear o mistério desse pão que desce ao meu encontro!

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

XVIII Domingo Comum B


Naquele tempo, quando a multidão viu que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago, subiram todos para as barcas e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus. Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe: «Mestre, quando chegaste aqui?». Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-Me, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados. Trabalhai, não tanto pela comida que se perde, mas pelo alimento que dura até à vida eterna e que o Filho do homem vos dará. A Ele é que o Pai, o próprio Deus, marcou com o seu selo». Disseram-Lhe então: «Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?». Respondeu-lhes Jesus: «A obra de Deus consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou». Disseram-Lhe eles: «Que milagres fazes Tu, para que nós vejamos e acreditemos em Ti? Que obra realizas? No deserto os nossos pais comeram o maná, conforme está escrito: ‘Deu-lhes a comer um pão que veio do Céu’». Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu; meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu. O pão de Deus é o que desce do Céu para dar a vida ao mundo». Disseram-Lhe eles: «Senhor, dá-nos sempre desse pão». Jesus respondeu-lhes: «Eu sou o pão da vida: quem vem a Mim nunca mais terá fome, quem acredita em Mim nunca mais terá sede».

Caros amigos e amigas, o Evangelho descreve a procura da multidão. Da verdadeira procura nasce o encontro. E Jesus faz-se milagre, faz-se pão, porque Ele, sim, nos procura.

À procura de Jesus
Procuramos aquilo que não temos ou ainda não conquistámos. Procuramos aquilo que perdemos ou ainda não encontrámos. Por vezes andamos nós mesmo perdidos… e precisamos procurar-nos…
A multidão do evangelho procurou Jesus, porque Ele não estava onde julgavam encontrá-l’O. Então foram procurá-l’O noutro lugar. A nossa vida é um caminho de procura. Deus habita-nos, porque nos ama, e nós estamos em constante procura porque nos afastamos d’Ele. Quantas vezes procuramos Jesus onde Ele não está. E, porque O não vemos, desistimos no caminho e caímos, desanimados e desiludidos com a vida. Para O encontrar é preciso subir para a barca da Palavra e procurá-l’O na simplicidade da vida, do outro lado.
Por vezes vivemos preocupados em saber quando Jesus chega, ou como chega à nossa história. Temos sede de respostas às nossas perguntas, porque não damos espaço à novidade, ao milagre, ao silêncio de Deus. Tudo tem que estar dentro dos limites da nossa razão, da nossa lógica… mas o mistério de Deus não cabe nas nossas medidas, a Sua medida transborda os nossos limites.

Trabalhai pelo alimento que dura até à vida eterna
Mas porque procuramos Jesus? O que nos atrai neste homem de vida itinerante, que questiona o nosso comodismo espiritual? Ele toca-nos, marca-nos, imprime em nós o selo do amor. Não mais somos os mesmos quando fazemos experiência de Deus. Não mais somos os mesmos quando bebemos da água da vida e comemos do Pão do Céu. Que adianta procurar outras fontes, se só Jesus Cristo nos refresca verdadeiramente e nos dá novo vigor? Em tempo de férias, urge também trabalhar pelo alimento que dura até à vida eterna.
Que sementes lançar para colher o tal alimento que não se perde? Amar implica esforço, passar ao outro lado do mar, remar contra ventos e tempestades, oferecer a outra face, sentir o pó do caminho, subir ao monte…trabalhar pelo alimento que dura e não se perde. Só o amor dura, porque o amor jamais passará!

Que milagres fazes Tu?
É tal a nossa falta de fé que ainda nos atrevemos a questionar a verdade de Deus… que faz Ele de especial, afinal, para que possamos acreditar nele?... Como se dar-se plenamente a nós, em Pão e Palavra… em substanciosa Vida, fosse pouco, ou não nos fosse suficiente! A eucaristia é o milagre de Deus. No Pão descido do Céu está a verdadeira vida, o único alimento que sacia as nossas procuras. Na eucaristia, é Deus Quem nos procura. Ele que se dá em alimento, tem fome da nossa fome d’Ele. O amor compassivo de Deus é o milagre do encontro. Quando saboreamos este mistério, a sede torna-se abraço e a procura transforma-se em pedido: Senhor, dá-nos sempre desse pão. E isso, caros amigos e amigas, é Evangelho!

VIVER A PALAVRA
Preciso de dar vigilância constante às motivações que me aproximam de Jesus.


REZAR A PALAVRA
Senhor, hoje confrontas-me com esta inadiável questão:o que busco em Ti?
Será que me sirvo de Ti como um trampolim para ambições humanas?
Será que invisto a fé numa superstição que te aplaca, mas não me implica?
Aqui, frente aos teus olhos, leio e saboreio a sedução da eternidade, no agora.
Tu sabes o que há em mim, e a tua mensagem é desafio de plenitude até Ti!
Tu és o motivo da minha fome, porque só Tu és a consumação da minha vida.
Hoje quero comungar o teu amor como o alimento sem prazos de validade,
quero aproximar os meus sonhos dos teus, até uma sintonia perfeita,
quero ser eucaristia contigo, num mundo onde as fomes hesitam para onde ir...