Naquele tempo, Jesus, cheio do
Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão. Durante quarenta dias, esteve
no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo. Nesses dias não
comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome. O Diabo disse-lhe: «Se és Filho
de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão». Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’». O Diabo levou-O a um lugar alto e
mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra e disse-Lhe: «Eu Te darei
todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a
quem eu quiser. Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu». Jesus
respondeu-lhe: «Está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás
culto’». Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do
templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está
escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’;
e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma
pedra’». Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da
presença de Jesus, até certo tempo.
Caros amigos e amigas, o Evangelho convida-nos ao
deserto. Desde a quarta-feira de cinzas, a Quaresma recorda que somos pó.
Contudo, este pó habitado pelo Espírito é, ainda hoje, a obra-prima da criação.
Tão bela e delicada que, cada ano, o Artista a conduz ao deserto para lhe
reavivar todo o seu esplendor.
“Estar
no deserto, conduzido pelo Espírito”
O deserto é um lugar misterioso e intrigante, um espaço
onde a sobrevivência e a morte caminham lado a lado, local de desafios e de audácia.
É também o lugar onde Deus conduz os profetas para lhes falar ao coração, onde
caminha com o povo hebreu partilhando a sua vida. Hoje, também as nossas
cidades têm os seus desertos: o deserto da solidão e tristeza de tantos; o
deserto de uma crise que avança impiedosa; o deserto de muitas perguntas sem
respostas… Na verdade, basta uma quebra em Wall
Street e falta o pão na nossa casa; basta uma febre e definha a saúde;
basta uma união desfeita e desaparece alegria. Mas, se o Evangelho nos convida
a entrar no deserto é porque – como disse Saint-Exupéry – em cada deserto há um
poço, em qualquer angústia existe um rebento de ressurreição. No deserto são as
estrelas que traçam a rota. Talvez ali descubramos dentro de nós a nostalgia do
Céu, a liberdade desmesurada, o silêncio que permite a escuta, a luz que
desmascara as trevas, a presença capaz de um encontro…
“Se
és Filho de Deus”
As três tentações metem em jogo a relação filial de Jesus
com o Pai, são um desafio entre dois projectos, são uma escolha entre dois
amores.
As tentações são a divisão do nosso coração feito de
cinzas e de luz, são um convite a alimentar-se só de pão, a contentar-se com a
própria história, a viver sem sonhos, a silenciar a voz de Deus. O silêncio é
então quebrado por aquela insinuação diabólica que gostaria de minar a nossa
confiança no Amor: “onde está o teu Deus”? Todos sabemos que somos mendigos de
pão, mas não podemos esquecer que somos também pedintes do céu e da eternidade,
somos possuidores de tanta coisa mas mendicantes da beleza e do amor. O pão é
bom e necessário, sacia o estômago, mas só Deus sacia a vida. Doutro modo, a
existência é uma saca cheia de pedras que se tornaram pão duro e amargo de cada
dia.
“Está
escrito”
Nas três tentações Jesus convoca Deus ao seu lado e cada
resposta é silabada e gritada com o alfabeto da Palavra de Deus: “está escrito...!”,
está gravado no coração! Porque o que se escreve permanece, é promessa, é
realidade! Jesus não dialoga com o Diabo, mas contrapõe sempre um amor maior: o
de um Pai que nunca o abandona.
O grande engano é acreditar que o tesouro da vida esteja
num naco de pão, na folia do poder ou no excesso de sucesso. O engano é
acreditar que assim se pode eliminar a fome do céu e de paz. O maior engano é
servir-se da vida caminhando nas palmas de anjos, sem avançar como crianças
confiantes apenas na força com que nos aperta o abraço do Pai.
Mesmo quando caímos dos pináculos vazios da vida, Ele
está presente. Talvez não como nós desejaríamos, mas à sua maneira. E não para
evitar a queda, mas para ajudar a levantar e a continuar. E, então, fazer
florescer o deserto. Isso, caros amigos e amigas, é Evangelho!
VIVER
A PALAVRA
Vou deixar um pouco da minha
semana para me retirar e descobrir o que me tenta.
REZAR A PALAVRA
Senhor,
ajuda-me a retirar de mim o que me desliga de Ti...
No
deserto da minha busca de da fonte, não desejo pão passageiro, nem estradas
imediatas,
apenas aspiro por Ti, alimento seguro. No alto das colinas do eu,
não
desejo fama nem reconhecimento vão, apenas o Teu colo que me alenta
e me
faz ser. Na Jerusalém de um mundo inquieto e desorientado, nao desejo poder
egoísta nem autoridade vazia, apenas a Tua Palavra como norma e meta do
caminho.
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