Naquele tempo, disse Jesus aos
seus discípulos: «Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se
acenda? Tenho de receber um baptismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais
que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a
divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois
e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o
pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a
nora contra a sogra».
Caros amigos e amigas, este pequeno texto do
Evangelho de Lucas questiona a nossa paz e a nossa guerra, e faz-nos entender
qual a origem da força e da mansidão deste Deus que é ao mesmo tempo um audaz
“guerreiro” e um “humilde cordeiro”.
Eu vim
trazer o fogo à terra
Numa
certa passagem da vida de Jesus que o Evangelho guarda, os discípulos ripostam
dizendo “esta palavra é dura! Quem pode escutá-la?” (Jo 6, 60). Algo semelhante
pode acontecer connosco diante desta perícope evangélica. A voz é de Jesus, mas
as palavras parecem não ser. É preciso perscrutar a sua dureza. É preciso poder
escutá-Lo repetidamente. E, antes de mais, esta é uma das vantagens deste texto.
Esta passagem, a partir da sua dureza, ajuda-nos a entender que o texto bíblico
é Palavra de Deus viva e, como tal, requer atenção e cuidado.
“Eu vim
trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda?” Numa época em
que os incêndios ainda vão ceifando vidas e deflagrando dor, que fogo é este
que Jesus quer atear? Na cultura em que Jesus se inscreve, o fogo surge como
elemento de purificação e de santificação. Como a água batismal. Por isso, este
fogo é gérmen de vida nova. Da vida verdadeira, bela e boa que Jesus traz. Não
pensemos que a expressão de Jesus “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em
abundância” (Jo 10, 10) entra em litígio com esta de hoje. Muito pelo
contrário. São frases sinónimas. Jesus não se contradiz. Ele tem a memória de
Deus: é fiel a Si mesmo. Agora, a vida nova de Jesus implica que arda em nós o
fogo do amor de Deus, o Espírito Santo. É Ele que nos purifica do que impede a
vida em nós. É Ele que fecunda a vida pela santidade.
Tenho
de receber um batismo e estou ansioso
O lugar desta
frase no Evangelho de hoje leva a concluir que o fogo que Jesus quer acender,
se acenderá na cruz. O batismo que Jesus recebe é esse. É lá, na cruz, que
Jesus instaura a Sua cátedra e ensina o Seu Evangelho, a Sua Boa Nova do amor.
Não a ensina como os escribas, mas com a autoridade do sangue; não ensina com
palavras, mas com o silêncio da morte inocente. É lá que revela o amor de Deus,
para que seja na cruz que nós testemunhemos esse mesmo amor recebido. Mas como
testemunhá-lo, senão capacitados pelo Espírito Santo? É, por isso, que também
lá, na cruz, Jesus entrega o Seu Espírito ao Pai e, com o Pai, aos seus
discípulos, como primícias da nova humanidade.
Vim
trazer a divisão
O
Espírito Santo que Jesus derrama, com o Seu Sangue, sobre a humanidade,
congrega, é fonte de comunhão, é garantia de unidade, é o Dom da Paz. Assim
sendo, como Jesus pode dizer “vim trazer a divisão”?
Impressionantemente, há quem faça guerra à Verdade, à
Vida, à Liberdade, à Justiça e à Caridade. No fundo é a guerra que se faz aos
inocentes e inofensivos, aos pobres que Jesus prefere. E é a esta luz que se
entende a divisão que Jesus traz. Se não fosse essa guerra, Ele não teria sido
entregue à morte. Se não fosse essa divisão, os Seus discípulos não seriam
perseguidos e não teriam recebido o batismo que Ele ansiou. Muitas vezes vemos
divisão familiar por causa de pequenos interesses. Não é dessa divisão que se
trata. É aquela outra, que pelo simples facto de existir, é um grito pela
Verdade. Como é possível aceitar Auschwitz, Hiroxima ou Nagasaki? Como é
possível estar unidos à exploração e ao tráfico humano? Por isso, Jesus não nos
oferece a paz cúmplice do mal. Traz-nos, sim, a paz que luta pela Verdade, pela
Beleza e pelo Bem, e a Vida que ela promete e concretiza.
E isto,
caros amigos e amigas, é Evangelho.
VIVER
A PALAVRA
Vou questionar-me sobre como
posso ser rastilho para o incêndio da mensagem de Jesus.
REZAR
A PALAVRA
Senhor, quero aceitar o incêndio do teu mistério, fogo posto à
frágil prova do meu amor.
Ofereço-te a minha debilidade e tibieza para que as potencies
com a força da tua entrega...
Ofereço-te a minha maldade e incoerência: corrije-as com a
beleza da tua verdade;
Ofereço-te a minha vontade e o meu querer: encaminha-os para a
tua plenitude!
Sê Tu em mim, Senhor, a medida de cada passo, de cada silêncio e
de cada palavra...
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