domingo, 27 de abril de 2014

S. João Paulo II e S. João XXIII



Homilia canonizações de João XXIII e João Paulo II



"No centro deste domingo, que encerra a Oitava de Páscoa e que João Paulo II quis dedicar à Misericórdia Divina, encontramos as chagas gloriosas de Jesus ressuscitado.

Já as mostrara quando apareceu pela primeira vez aos Apóstolos, ao anoitecer do dia depois do sábado, o dia da Ressurreição. Mas, naquela noite, Tomé não estava; e quando os outros lhe disseram que tinham visto o Senhor, respondeu que, se não visse e tocasse aquelas feridas, não acreditaria. Oito dias depois, Jesus apareceu de novo no meio dos discípulos, no Cenáculo, encontrando-se presente também Tomé; dirigindo-Se a ele, convidou-o a tocar as suas chagas. E então aquele homem sincero, aquele homem habituado a verificar tudo pessoalmente, ajoelhou-se diante de Jesus e disse: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 28).

Se as chagas de Jesus podem ser de escândalo para a fé, são também a verificação da fé. Por isso, no corpo de Cristo ressuscitado, as chagas não desaparecem, continuam, porque aquelas chagas são o sinal permanente do amor de Deus por nós, sendo indispensáveis para crer em Deus: não para crer que Deus existe, mas sim que Deus é amor, misericórdia, fidelidade. Citando Isaías, São Pedro escreve aos cristãos: «pelas suas chagas, fostes curados» (1 Ped 2, 24; cf. Is 53, 5).

S. João XXIII e S. João Paulo II tiveram a coragem de contemplar as feridas de Jesus, tocar as suas mãos chagadas e o seu lado trespassado. Não tiveram vergonha da carne de Cristo, não se escandalizaram d’Ele, da sua cruz; não tiveram vergonha da carne do irmão (cf. Is 58, 7), porque em cada pessoa atribulada viam Jesus. Foram dois homens corajosos, cheios da parresia do Espírito Santo, e deram testemunho da bondade de Deus, da sua misericórdia, à Igreja e ao mundo.

Foram sacerdotes, bispos e papas do século XX. Conheceram as suas tragédias, mas não foram vencidos por elas. Mais forte, neles, era Deus; mais forte era a fé em Jesus Cristo, Redentor do homem e Senhor da história; mais forte, neles, era a misericórdia de Deus que se manifesta nestas cinco chagas; mais forte era a proximidade materna de Maria.

Nestes dois homens contemplativos das chagas de Cristo e testemunhas da sua misericórdia, habitava «uma esperança viva», juntamente com «uma alegria indescritível e irradiante» (1 Ped 1, 3.8). A esperança e a alegria que Cristo ressuscitado dá aos seus discípulos, e de que nada e ninguém os pode privar. A esperança e a alegria pascais, passadas pelo crisol do despojamento, do aniquilamento, da proximidade aos pecadores levada até ao extremo, até à náusea pela amargura daquele cálice. Estas são a esperança e a alegria que os dois santos Papas receberam como dom do Senhor ressuscitado, tendo-as, por sua vez, doado em abundância ao Povo de Deus, recebendo sua eterna gratidão.

Esta esperança e esta alegria respiravam-se na primeira comunidade dos crentes, em Jerusalém, de que nos falam os Actos dos Apóstolos (cf. 2, 42-47). É uma comunidade onde se vive o essencial do Evangelho, isto é, o amor, a misericórdia, com simplicidade e fraternidade.

E esta é a imagem de Igreja que o Concílio Vaticano II teve diante de si. João XXIII e João Paulo II colaboraram com o Espírito Santo para restabelecer e actualizar a Igreja segundo a sua fisionomia originária, a fisionomia que lhe deram os santos ao longo dos séculos. Não esqueçamos que são precisamente os santos que levam avante e fazem crescer a Igreja. Na convocação do Concílio, João XXIII demonstrou uma delicada docilidade ao Espírito Santo, deixou-se conduzir e foi para a Igreja um pastor, um guia-guiado. Este foi o seu grande serviço à Igreja; foi o Papa da docilidade ao Espírito.

Neste serviço ao Povo de Deus, João Paulo II foi o Papa da família. Ele mesmo disse uma vez que assim gostaria de ser lembrado: como o Papa da família. Apraz-me sublinhá-lo no momento em que estamos a viver um caminho sinodal sobre a família e com as famílias, um caminho que ele seguramente acompanha e sustenta do Céu.

Que estes dois novos santos Pastores do Povo de Deus intercedam pela Igreja para que, durante estes dois anos de caminho sinodal, seja dócil ao Espírito Santo no serviço pastoral à família. Que ambos nos ensinem a não nos escandalizarmos das chagas de Cristo, a penetrarmos no mistério da misericórdia divina que sempre espera, sempre perdoa, porque sempre ama."

quinta-feira, 24 de abril de 2014

II Domingo Páscoa A



Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.

Caros amigos e amigas, nesta nova manhã de Páscoa, Domingo, dia do Senhor, somos convidados a abrir, melhor, “escancarar as portas do nosso coração a Cristo” (S. João Paulo II) que quer semear a paz e o bem com a brisa do Seu Espírito de Amor.

Interpelações da Palavra
De portas fechadas
Espreitemos a sala do medo, onde os discípulos estão reclusos. Custa-lhes virar a página da desilusão e aceitar este desvio face aos planos que traçaram. Esperavam um caminho mais fácil, quando optaram pelo seguimento, tinham tido sonhos fáceis, fantasias sobre tronos apetecíveis e havia projectos alicerçados sobre pilares pessoais. Agora, fecham as portas… porque o sonho terminou da pior forma! Acordavam… sim, tudo parecia ter sido um sonho, prenderam a liberdade que os vislumbrava, mataram a vida que era meta… E agora, fecham as portas, para que não os assalte também a derrota. O silêncio acaricia as dúvidas, mas parece-lhes que não há mais questões para colocar, talvez se tenham apenas enganado no Mestre… E agora, fecham as portas. A dor, a saudade, a solidão, o desânimo, a desilusão, fecham as portas… fogem de todos, também deles próprios, mesmo continuando a pensar e a falar daquele que um dia os cativou… Ainda sentem o cheiro das Suas Palavras e a ternura dos seus gestos…

Vimos o Senhor
Mas eis que Ele tem sede da nossa sede de visão e acaba por mostrar-nos a fundura das chagas do seu amor. Ainda hoje o desafio é vê-l’O, ainda hoje é desafio testemunhar que O vimos. Ouve-se falar de gente que O vê por aí, dizendo que Ele rompe as barreiras do medo e continua a entrar na vida das pessoas, trazendo a paz. Ainda há quem espere por Ele, e O anuncie teimosamente pelas ruas, colocando nele a alegria de viver, porque dele recebe a água que mata a sede de amor. Ainda há quem descubra a manhã de Páscoa em cada gesto criativo de amor. Ainda há quem se ajoelhe e lance sorrisos de bem, onde a escuridão se acomoda e as portas se fecham. Ainda há quem O abrace no perdão e se deixe inspirar e fortalecer pelo Espírito Santo. Mas ainda há também gente que “está fora” e afirma, com um cepticismo provocador, que… se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei… Gente que reclama uma “fé sensorial”… Que não pode crer que continue vivo o sonho, o ideal, o Mestre, no meio de tanta dor, escuridão e desalento…!

Meu Senhor e meu Deus
Mas há um dia, o dia do Senhor, quando as portas continuam fechadas, em que respiro a comunhão, vivo a ténue centelha da esperança, porque me interroga a alegria de quem crê. Há um dia, em que sinto o abraço do Mestre que continua a abrir o meu coração fechado. Aí toco, porque Ele me tocou primeiro. Aí vejo, porque Ele me fitou primeiro, nessa hora creio, porque Ele se aproxima e é a minha paz. E então deixo-me escrever pelo Evangelho!

 


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, preciso a chave da verdade para abrir caminhos que destruam a mentira e a falsidade.
Senhor, preciso a chave da paz para arrancar o joio do egoísmo, da desconfiança e da guerra.
Senhor, preciso a chave da vida para descobrir o mistério do seguimento e do serviço.
Senhor, preciso a chave do perdão para lançar desafios de comunhão e de fraternidade.
Senhor, preciso a chave da fé para, na noite e na manhã, cantar Aleluia!

Viver a Palavra

Vou descobrir que portas preciso de abrir para semear o perdão e a paz.

sábado, 19 de abril de 2014

O Senhor Ressuscitou


Domingo de Páscoa A


Domingo da Páscoa – Ano A

Evangelho segundo S. João 20, 1-9
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o discípulo predilecto de Jesus e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.

Caros amigos e amigas, a Páscoa é o feliz anúncio de que Jesus crucificado ressuscitou. E a Ressurreição é uma experiência de vida, de caminhar juntos, de abrir os olhos, de encontro inesperado. Somos “sentinelas da ressurreição”!

Interpelações da Palavra
A Igreja que ama
Levantara-se muito cedo, no primeiro dia da semana, como se fosse o primeiro dia da nova criação, quando Deus ilumina o mundo dissipando as trevas. Com as flores e o perfume banhado pelas lágrimas, Maria Madalena queria deixar mais uma vez um gesto de amor reconhecido, delicado e gratuito, pelo Crucificado. Ela vem quando ainda é escuro como “sentinela do amor”.
A Madalena é a Igreja que, por amor do seu Senhor, se arrisca ainda de noite à sua procura. Talvez suspeite interiormente que as surpresas de Deus não se apagam com as trevas de uma morte e, sobretudo, que Ele nunca desilude o desejo de quem O ama e procura sinceramente.
A primeira testemunha da ressurreição é uma mulher, como se a ressurreição fosse um nascimento, porque o túmulo vazio deu à luz a vida! Semear vida, fecundar a história, fazer germinar de beleza, de luz, de alegria, a história é missão de mulheres e homens progenitores do amor! Sim, o Amor vive! E basta uma lágrima e um sorriso para o ressuscitar!

A Igreja que acredita
O discípulo anónimo e amado, quando viu a pedra do túmulo rolada, o lençol e o sudário dobrados, sem encontrar o corpo de Jesus, “viu e acreditou”! Aquele lugar sereno, silencioso e vazio, é suficiente para quem ama. Ele é a “sentinela do invisível! Não há relíquias ou provas evidentes da ressurreição. Contudo, os pobres sinais gritam a presença de Jesus ressuscitado. Na verdade, só quem está apaixonado reconhece o ténue e frágil sinal de um ramo de flores, identificado pelo olhar do coração!

A Igreja da esperança
Pedro escutou a paixão de Maria Madalena ao anunciar a notícia; depois correu ofegante atrás da fé do discípulo mais veloz; e, apesar de trazer ainda viva na memória a repetida negação, estava ali. Ele é a “sentinela da esperança”, daquela Igreja que reconhece, apesar das aparências, que o amor do seu Senhor é mais forte do que a morte. E nada, nem a tribulação ou a angústia, a perseguição ou a fome, o perigo ou a espada, nos poderá separar do amor de Deus!
Juntos, os três são a Igreja que ousa, na manhã da Páscoa, ser Evangelho: sim, o Senhor ressuscitou, Jesus vive, Ele está entre nós! E Ele é o Deus da esperança, do futuro, da vida nova. “A sua ressurreição não é algo do passado; contém uma força de vida que penetrou o mundo. Onde parecia que tudo morreu, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da ressurreição. A ressurreição de Cristo produz por toda a parte rebentos deste mundo novo; e, ainda que os cortem, voltam a despontar, porque a ressurreição do Senhor já penetrou a trama oculta desta história; porque Jesus não ressuscitou em vão. Não fiquemos à margem desta marcha da esperança viva”! (Francisco, Evangelii Gaudium).


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, entro nesse mistério de luz, com o perfume de uma Páscoa cheia de cor,
Corro destemido ao encontro da novidade do sepulcro vazio, com a brisa de uma presença de paz,
Grito agradecido o anúncio da ressurreição, porque o amor vence a morte e “jamais passará”,
Acordo com a manhã de Páscoa, porque o sino do Aleluia emudece o silêncio da dor.
Senhor, minha paz, meu conforto e minha alegria, creio na vida, espero no amor e canto Aleluia

Viver a Palavra

Vou anunciar com coragem que Jesus venceu a morte e nada pode deter o amor.

domingo, 13 de abril de 2014

DIA MUNDIAL DA JUVENTUDE'14



MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
 PARA A XXIX JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
(Domingo de Ramos, 13 de Abril de 2014)
«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3)

Queridos jovens,
Permanece gravado na minha memória o encontro extraordinário que vivemos no Rio de Janeiro, na XXVIII Jornada Mundial da Juventude: uma grande festa da fé e da fraternidade. A boa gente brasileira acolheu-nos de braços escancarados, como a estátua de Cristo Redentor que domina, do alto do Corcovado, o magnífico cenário da praia de Copacabana. Nas margens do mar, Jesus fez ouvir de novo a sua chamada para que cada um de nós se torne seu discípulo missionário, O descubra como o tesouro mais precioso da própria vida e partilhe esta riqueza com os outros, próximos e distantes, até às extremas periferias geográficas e existenciais do nosso tempo.
A próxima etapa da peregrinação intercontinental dos jovens será em Cracóvia, em 2016. Para cadenciar o nosso caminho, gostaria nos próximos três anos de reflectir, juntamente convosco, sobre as Bem-aventuranças que lemos no Evangelho de São Mateus (5, 1-12). Começaremos este ano meditando sobre a primeira: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3); para 2015, proponho: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8); e finalmente, em 2016, o tema será: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).

1. A força revolucionária das Bem-aventuranças
É-nos sempre muito útil ler e meditar as Bem-aventuranças! Jesus proclamou-as no seu primeiro grande sermão, feito na margem do lago da Galileia. Havia uma multidão imensa e Ele, para ensinar os seus discípulos, subiu a um monte; por isso é chamado o «sermão da montanha». Na Bíblia, o monte é visto como lugar onde Deus Se revela; pregando sobre o monte, Jesus apresenta-Se como mestre divino, como novo Moisés. E que prega Ele? Jesus prega o caminho da vida; aquele caminho que Ele mesmo percorre, ou melhor, que é Ele mesmo, e propõe-no como caminho da verdadeira felicidade. Em toda a sua vida, desde o nascimento na gruta de Belém até à morte na cruz e à ressurreição, Jesus encarnou as Bem-aventuranças. Todas as promessas do Reino de Deus se cumpriram n’Ele.
Ao proclamar as Bem-aventuranças, Jesus convida-nos a segui-Lo, a percorrer com Ele o caminho do amor, o único que conduz à vida eterna. Não é uma estrada fácil, mas o Senhor assegura-nos a sua graça e nunca nos deixa sozinhos. Na nossa vida, há pobreza, aflições, humilhações, luta pela justiça, esforço da conversão quotidiana, combates para viver a vocação à santidade, perseguições e muitos outros desafios. Mas, se abrirmos a porta a Jesus, se deixarmos que Ele esteja dentro da nossa história, se partilharmos com Ele as alegrias e os sofrimentos, experimentaremos uma paz e uma alegria que só Deus, amor infinito, pode dar.
As Bem-aventuranças de Jesus são portadoras duma novidade revolucionária, dum modelo de felicidade oposto àquele que habitualmente é transmitido pelos mass media, pelo pensamento dominante. Para a mentalidade do mundo, é um escândalo que Deus tenha vindo para Se fazer um de nós, que tenha morrido numa cruz. Na lógica deste mundo, aqueles que Jesus proclama felizes são considerados «perdedores», fracos. Ao invés, exalta-se o sucesso a todo o custo, o bem-estar, a arrogância do poder, a afirmação própria em detrimento dos outros.
Queridos jovens, Jesus interpela-nos para que respondamos à sua proposta de vida, para que decidamos qual estrada queremos seguir a fim de chegar à verdadeira alegria. Trata-se dum grande desafio de fé. Jesus não teve medo de perguntar aos seus discípulos se verdadeiramente queriam segui-Lo ou preferiam ir por outros caminhos (cf. Jo 6, 67). E Simão, denominado Pedro, teve a coragem de responder: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). Se souberdes, vós também, dizer «sim» a Jesus, a vossa vida jovem encher-se-á de significado, e assim será fecunda.


2. A coragem da felicidade
O termo grego usado no Evangelho é makarioi, «bem-aventurados». E «bem-aventurados» quer dizer felizes. Mas dizei-me: vós aspirais deveras à felicidade? Num tempo em que se é atraído por tantas aparências de felicidade, corre-se o risco de contentar-se com pouco, com uma ideia «pequena» da vida. Vós, pelo contrário, aspirai a coisas grandes! Ampliai os vossos corações! Como dizia o Beato Pierjorge Frassati, «viver sem uma fé, sem um património a defender, sem sustentar numa luta contínua a verdade, não é viver, mas ir vivendo. Não devemos jamais ir vivendo, mas viver» (Carta a I. Bonini, 27 de Fevereiro de 1925). Em 20 de Maio de 1990, no dia da sua beatificação, João Paulo II chamou-lhe «homem das Bem-aventuranças» (Homilia na Santa Missa: AAS 82 [1990], 1518).
Se verdadeiramente fizerdes emergir as aspirações mais profundas do vosso coração, dar-vos-eis conta de que, em vós, há um desejo inextinguível de felicidade, e isto permitir-vos-á desmascarar e rejeitar as numerosas ofertas «a baixo preço» que encontrais ao vosso redor. Quando procuramos o sucesso, o prazer, a riqueza de modo egoísta e idolatrando-os, podemos experimentar também momentos de inebriamento, uma falsa sensação de satisfação; mas, no fim de contas, tornamo-nos escravos, nunca estamos satisfeitos, sentimo-nos impelidos a buscar sempre mais. É muito triste ver uma juventude «saciada», mas fraca.
Escrevendo aos jovens, São João dizia: «Vós sois fortes, a palavra de Deus permanece em vós e vós vencestes o Maligno» (1 Jo 2, 14). Os jovens que escolhem Cristo são fortes, nutrem-se da sua Palavra e não se «empanturram» com outras coisas. Tende a coragem de ir contra a corrente. Tende a coragem da verdadeira felicidade! Dizei não à cultura do provisório, da superficialidade e do descartável, que não vos considera capazes de assumir responsabilidades e enfrentar os grandes desafios da vida.


3. Felizes os pobres em espírito…
A primeira Bem-aventurança, tema da próxima Jornada Mundial da Juventude, declara felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Num tempo em que muitas pessoas penam por causa da crise económica, pode parecer inoportuno acostar pobreza e felicidade. Em que sentido podemos conceber a pobreza como uma bênção?
Em primeiro lugar, procuremos compreender o que significa «pobres em espírito». Quando o Filho de Deus Se fez homem, escolheu um caminho de pobreza, de despojamento. Como diz São Paulo, na Carta aos Filipenses: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens» (2, 5-7). Jesus é Deus que Se despoja da sua glória. Vemos aqui a escolha da pobreza feita por Deus: sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9). É o mistério que contemplamos no presépio, vendo o Filho de Deus numa manjedoura; e mais tarde na cruz, onde o despojamento chega ao seu ápice.
O adjectivo grego ptochós (pobre) não tem um significado apenas material, mas quer dizer «mendigo». Há que o ligar com o conceito hebraico de anawim (os «pobres de Iahweh»), que evoca humildade, consciência dos próprios limites, da própria condição existencial de pobreza. Os anawim confiam no Senhor, sabem que dependem d’Ele.
Como justamente soube ver Santa Teresa do Menino Jesus, Cristo na sua Encarnação apresenta-Se como um mendigo, um necessitado em busca de amor. O Catecismo da Igreja Católica fala do homem como dum «mendigo de Deus» (n. 2559) e diz-nos que a oração é o encontro da sede de Deus com a nossa (n. 2560).
São Francisco de Assis compreendeu muito bem o segredo da Bem-aventurança dos pobres em espírito. De facto, quando Jesus lhe falou na pessoa do leproso e no Crucifixo, ele reconheceu a grandeza de Deus e a própria condição de humildade. Na sua oração, o Poverello passava horas e horas a perguntar ao Senhor: «Quem és Tu? Quem sou eu?» Despojou-se duma vida abastada e leviana, para desposar a «Senhora Pobreza», a fim de imitar Jesus e seguir o Evangelho à letra. Francisco viveu a imitação de Cristo pobre e o amor pelos pobres de modo indivisível, como as duas faces duma mesma moeda.
Posto isto, poder-me-íeis perguntar: Mas, em concreto, como é possível fazer com que esta pobreza em espírito se transforme em estilo de vida, incida concretamente na nossa existência? Respondo-vos em três pontos.
Antes de mais nada, procurai ser livres em relação às coisas. O Senhor chama-nos a um estilo de vida evangélico caracterizado pela sobriedade, chama-nos a não ceder à cultura do consumo. Trata-se de buscar a essencialidade, aprender a despojarmo-nos de tantas coisas supérfluas e inúteis que nos sufocam. Desprendamo-nos da ambição de possuir, do dinheiro idolatrado e depois esbanjado. No primeiro lugar, coloquemos Jesus. Ele pode libertar-nos das idolatrias que nos tornam escravos. Confiai em Deus, queridos jovens! Ele conhece-nos, ama-nos e nunca se esquece de nós. Como provê aos lírios do campo (cf. Mt 6, 28), também não deixará que nos falte nada! Mesmo para superar a crise económica, é preciso estar prontos a mudar o estilo de vida, a evitar tantos desperdícios. Como é necessária a coragem da felicidade, também é precisa a coragem da sobriedade.
Em segundo lugar, para viver esta Bem-aventurança todos necessitamos de conversão em relação aos pobres. Devemos cuidar deles, ser sensíveis às suas carências espirituais e materiais. A vós, jovens, confio de modo particular a tarefa de colocar a solidariedade no centro da cultura humana. Perante antigas e novas formas de pobreza – o desemprego, a emigração, muitas dependências dos mais variados tipos –, temos o dever de permanecer vigilantes e conscientes, vencendo a tentação da indiferença. Pensemos também naqueles que não se sentem amados, não olham com esperança o futuro, renunciam a comprometer-se na vida porque se sentem desanimados, desiludidos, temerosos. Devemos aprender a estar com os pobres. Não nos limitemos a pronunciar belas palavras sobre os pobres! Mas encontremo-los, fixemo-los olhos nos olhos, ouçamo-los. Para nós, os pobres são uma oportunidade concreta de encontrar o próprio Cristo, de tocar a sua carne sofredora.
Mas – e chegamos ao terceiro ponto – os pobres não são pessoas a quem podemos apenas dar qualquer coisa. Eles têm tanto para nos oferecer, para nos ensinar. Muito temos nós a aprender da sabedoria dos pobres! Pensai que um Santo do século XVIII, Bento José Labre – dormia pelas ruas de Roma e vivia das esmolas da gente –, tornara-se conselheiro espiritual de muitas pessoas, incluindo nobres e prelados. De certo modo, os pobres são uma espécie de mestres para nós. Ensinam-nos que uma pessoa não vale por aquilo que possui, pelo montante que tem na conta bancária. Um pobre, uma pessoa sem bens materiais, conserva sempre a sua dignidade. Os pobres podem ensinar-nos muito também sobre a humildade e a confiança em Deus. Na parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-14), Jesus propõe este último como modelo, porque é humilde e se reconhece pecador. E a própria viúva, que lança duas moedinhas no tesouro do templo, é exemplo da generosidade de quem, mesmo tendo pouco ou nada, dá tudo (Lc 21, 1-4).


4. … porque deles é o Reino do Céu
Tema central no Evangelho de Jesus é o Reino de Deus. Jesus é o Reino de Deus em pessoa, é o Emanuel, Deus connosco. E é no coração do homem que se estabelece e cresce o Reino, o domínio de Deus. O Reino é, simultaneamente, dom e promessa. Já nos foi dado em Jesus, mas deve ainda realizar-se em plenitude. Por isso rezamos ao Pai cada dia: «Venha a nós o vosso Reino».
Há uma ligação profunda entre pobreza e evangelização, entre o tema da última Jornada Mundial da Juventude – «Ide e fazei discípulos entre todas as nações» (Mt 28, 19) – e o tema deste ano: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3). O Senhor quer uma Igreja pobre, que evangelize os pobres. Jesus, quando enviou os Doze em missão, disse-lhes: «Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento» (Mt 10, 9-10). A pobreza evangélica é condição fundamental para que o Reino de Deus se estenda. As alegrias mais belas e espontâneas que vi ao longo da minha vida eram de pessoas pobres que tinham pouco a que se agarrar. A evangelização, no nosso tempo, só será possível por contágio de alegria.
Como vimos, a Bem-aventurança dos pobres em espírito orienta a nossa relação com Deus, com os bens materiais e com os pobres. À vista do exemplo e das palavras de Jesus, damo-nos conta da grande necessidade que temos de conversão, de fazer com que a lógica do ser mais prevaleça sobre a lógica do ter mais. Os Santos são quem mais nos pode ajudar a compreender o significado profundo das Bem-aventuranças. Neste sentido, a canonização de João Paulo II , no segundo domingo de Páscoa, é um acontecimento que enche o nosso coração de alegria. Ele será o grande patrono das Jornadas Mundiais da Juventude, de que foi o iniciador e impulsionador. E, na comunhão dos Santos, continuará a ser, para todos vós, um pai e um amigo.
No próximo mês de Abril, tem lugar também o trigésimo aniversário da entrega aos jovens da Cruz do Jubileu da Redenção. Foi precisamente a partir daquele acto simbólico de João Paulo II que principiou a grande peregrinação juvenil que, desde então, continua a atravessar os cinco continentes. Muitos recordam as palavras com que, no domingo de Páscoa do ano 1984, o Papa acompanhou o seu gesto: «Caríssimos jovens, no termo do Ano Santo, confio-vos o próprio sinal deste Ano Jubilar: a Cruz de Cristo! Levai-a ao mundo como sinal do amor do Senhor Jesus pela humanidade, e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há salvação e redenção».
Queridos jovens, o Magnificat, o cântico de Maria, pobre em espírito, é também o canto de quem vive as Bem-aventuranças. A alegria do Evangelho brota dum coração pobre, que sabe exultar e maravilhar-se com as obras de Deus, como o coração da Virgem, que todas as gerações chamam «bem-aventurada» (cf. Lc 1, 48). Que Ela, a mãe dos pobres e a estrela da nova evangelização, nos ajude a viver o Evangelho, a encarnar as Bem-aventuranças na nossa vida, a ter a coragem da felicidade.
Vaticano, 21 de Janeiro – Memória de Santa Inês, virgem e mártir - de 2014.

FRANCISCO

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Domingo de Ramos Quaresma A


Evangelho segundo S. Mateus 26, 14-27, 66
Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e deu-o aos discípulos, dizendo: «Tomai e comei: Isto é o meu Corpo». Tomou em seguida um cálice, deu graças e entregou-lho, dizendo: «Bebei dele todos, porque este é o meu Sangue, o Sangue da aliança, derramado pela multidão, para remissão dos pecados». […] Jesus tomando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-Se e a angustiar-Se. Disse-lhes então: «A minha alma está numa tristeza de morte. Ficai aqui e vigiai comigo». […] Disse-lhes Pilatos: «E que hei-de fazer de Jesus, chamado Cristo?». Responderam todos: «Seja crucificado». Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus. Desde o meio-dia até às três horas da tarde, as trevas envolveram toda a terra. E, pelas três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte: «Eli, Eli, lema sabactáni?», que quer dizer: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?». […] Entretanto, o centurião e os que com ele guardavam Jesus, ao verem o tremor de terra e o que estava a acontecer, ficaram aterrados e disseram: «Este era verdadeiramente Filho de Deus».

Caros amigos e amigas, a leitura do Evangelho deste Domingo narra a paixão de um Deus apaixonado pelo Homem… O pedido de Jesus “Ficai comigo” continua a convidar a nossa história a ser narrada com a d’Ele…

Interpelações da Palavra

Duas cores, dois refrães, duas histórias…
Escrita a duas cores, desde o verde das folhas dos Ramos até ao vermelho do sangue no Calvário, na narração da paixão oscilam dois refrães: “Hossana!” e “Crucifica-o!”… Quem diria que, com algumas horas de permeio, estes dois refrães estão dirigidos ao mesmo homem e têm como reação, a mesma mansidão, a mesma humildade, a mesma doçura! Quão volúveis são as nossas aclamações, que hoje erguem e amanhã derrubam, e quão constante é a fidelidade deste Deus, inabalável na esperança, excessiva no amor.
Neste texto encontramos duas histórias sobrepostas: a nossa própria história contada entre o sono e o medo, entre o desmazelo e a indiferença, entre a violência e a barbaridade, entre o egoísmo e a morte; que é recontada pela resposta do amor que tudo transforma em confiança, atenção, ternura, perdão, ressurreição…

Se és Filho de Deus, desce da Cruz
Qualquer outro deus teria cedido a tal provocação. Mas o Deus de Jesus pode apenas aquilo que o amor pode! E o amor divino é criativo e louco, exibe a maior prova de amor quando dá a vida pelos amigos. O Amor abraça a cruz, porque nela abraça as cruzes de cada filho. Deus entra na morte porque na morte entra também cada um dos seus filhos. O Amante participa de todas as dores que os seus amados possam sofrer (Ronchi).
Na cruz, Deus não grita belas palavras ou teorias, mas assina com a própria vida todo o Evangelho, rubrica com o seu sangue todo o seu amor. Deus “crucifica” o seu amor para que não fiquem dúvidas! Naquela “árvore da vida”, Deus “vinga-se” definitivamente da distância, da indiferença, da separação: nada o impedirá de ser o Emanuel, o “Deus connosco”, para sempre. Nem a morte nos poderá separar! A beleza de Cristo na cruz não é por ter sofrido por nós, mas por ter transformado todo aquele sofrimento num acto de amor: a cruz é um convite radical a não sofrer, porque a amar sempre, a qualquer preço, mesmo até ao preço da vida.

Este era verdadeiramente Filho de Deus
Que terá visto o centurião na agonia daquele moribundo, de modo a fazer o primeiro acto de fé cristão? Presumo que no rosto daquele agonizante, ele tenha visto o coração de Deus e pressentido a ressurreição.
É de joelhos no lava-pés, e em silêncio no alto do calvário, que descobrimos o verdadeiro rosto de Deus. Ali aprendem-se os gestos humanos e eucarísticos que nos tornam verdadeiramente divinos. Diante do mistério amoroso da cruz apenas podemos ajoelhar, agradecer e deixar a nossa história ser semeada pela do Filho de Deus, pois o grão caído à terra dá muito fruto! E isso, amigos e amigas, é a abundante safra do Evangelho!


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, entrego-te a superficialidade da minha aclamação para que se aprofunde na tua mansidão;
Estendo-te a minha fome nesta ceia onde te dás como presença humilde, como alimento de vida;
Recosto a minha tibieza neste jardim onde a tua vigília me dedica um sim amargo e fiel;
Ofereço-te o meu medo e a minha negação para que o teu sim me regue e fertilize a força;
Abro-te o meu caminho onde escreves, de passos ensanguentados, a meta que me pedes;
Entrego-te o madeiro para que te abra os braços com que me hás-de abraçar;
Aponto-te a lança que há-de abrir o cofre do teu coração, para que me recebas e me sacies…

Viver a Palavra

Quero deixar que a narração do amor levado ao extremo, inspire a história que escrevo todos os dias.

sábado, 5 de abril de 2014

Encontro de formação bíblica






V Domingo Quaresma A



Evangelho segundo S. João 11, 3-7.17.20-27.33b-45
Naquele tempo, as irmãs de Lázaro mandaram dizer a Jesus: «Senhor, o teu amigo está doente». Ouvindo isto, Jesus disse: «Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho do homem». Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro. Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente, ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava. Depois disse aos discípulos: «Vamos de novo para a Judeia». Ao chegar lá, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias. Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar, Marta saiu ao seu encontro, enquanto Maria ficou sentada em casa. Marta disse a Jesus: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará». Marta respondeu: «Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição do último dia». Disse-lhe Jesus: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim nunca morrerá. Acreditas nisto?». Disse-Lhe Marta: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo». Jesus comoveu-Se profundamente e perturbou-Se. Depois perguntou: «Onde o pusestes?». Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor». E Jesus chorou. Diziam então os judeus: «Vede como era seu amigo». Mas alguns deles observaram: «Então Ele, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito que este homem não morresse?». Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo. Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada. Disse Jesus: «Tirai a pedra». Respondeu Marta, irmã do morto: «Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias». Disse Jesus: «Eu não te disse que, se acreditasses, verias a glória de Deus?». Tiraram então a pedra. Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse: «Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste». Dito isto, bradou com voz forte: «Lázaro, sai para fora». O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras e o rosto envolvido num sudário. Disse-lhes Jesus: «Desligai-o e deixai-o ir». Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria, ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele».

Caros amigos e amigas, se neste Evangelho é narrada a dilaceração provocada pela morte, mais ainda é manifestada toda a potência do amor e da ressurreição! Jesus é a ressurreição e a vida!

Interpelações da Palavra
Se tivesses estado aqui!
Na casa de Betânia estão agora presentes sinais de morte e desilusão. Lázaro tinha-se apagado nos braços amorosos de Marta e Maria, mas distante das mãos vivificantes do Amigo. Por isso, o lamento de Marta recorda os nossos: onde estavas, ó Deus? Porque não escutaste o meu desespero? Porque foste tão indiferente à doença e à morte? O grito da humanidade condena o atraso de Deus! Até parece que Deus dá liberdade à morte, permite a decomposição, não põe obstáculos à putrefacção, aceita que os infernos se assenhorem de Lázaro, que nos emprisionem, de modo que qualquer esperança humana seja perdida e que a violência do desespero tudo destrua!
Mas, talvez, o atraso de Jesus quisesse, mais do que afastar a doença, vencer a morte. Amar não é fazer sair da cama, mas é trazer da escuridão infernal o amigo. Amar não é arranjar uma medicina para uma doença, mas oferecer a glória da ressurreição. Além disso, a morte de Lázaro era necessária, para que a fé dos discípulos e a nossa, sepultada com Lázaro, também com ele ressuscitasse (S. Pedro Crisólogo).

O amor faz-se lágrima
Diante do túmulo do amigo Jesus comove-se, perturba-se, chora, levanta os olhos, dá graças… Mas que Deus é este que se deixa contagiar pela dor e chora diante dos nossos túmulos? Só o Deus de Jesus chora porque sabe que, por vezes, as lágrimas são o único modo de amar, de rezar. O homem não é um estranho indiferente, é o amigo! As lágrimas de Jesus são a sua declaração de amor, a revolta contra a morte, o sinal da ferida do coração divino, são prova de amor, fraterno e fiel, sensível e delicado. O choro de Deus é grito pela vida de quem ama. É este brado que rouba Lázaro ao sepulcro. Ainda hoje, com amor, Deus grita por nós, percorre o país da morte, vence abismos que pareciam intransponíveis.
A morte pode envolver a pessoa de ligaduras, impedi-la de ser e de viver, enterrá-la no esquecimento, mas não impedirá os laços indestrutíveis de amor que nos ligam a Deus. Para Ele não existe um sepulcro do qual não se possa sair, não existem mortalhas que não se possam desligar, não há sudários sufocantes que não se possam tirar, não há gruta tão profunda e escura que não possa ser violada, não existe pedra tão grande que não possa ser removida, nem ninguém é um cadáver tão malcheiroso que não possa renascer de novo, porque não há morte que não possa ser vencida pelo amor!

“Eu sou a ressurreição e a vida”
Esta narração fala de mim, de ti, da humanidade. Sem o Amigo não há vida e só quando Ele regressa, regressam também à vida as realidades enterradas e deterioradas. A ressurreição é possível pelas lágrimas de Deus! Para Ele não basta partilhar a vida, assumir as bodas e as alegrias, viver o cansaço diário e as preocupações. Mas Ele quis assumir também a batalha final, a da morte, apontando o caminho da vitória, o da manhã de Páscoa quando, diante dos nossos túmulos, gritará amorosamente o nosso nome para nos abraçar eternamente. Esta é a alegria do Evangelho!


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, fonte de vida infinita… “São tantas batalhas” que tentam matar a coragem que semeias em mim,
“É tão funda a dor”que teima matar o sorriso que imprimes em cada dia,
“São tantos os medos calados por dentro” que ameaçam matar a esperança do amanhã,
“São tantos olhares de espanto, vazios” que  anunciam matar a novidade da Vida…
Caído no chão, creio na vida que és, que me dás, porque és Amor! Ressuscita-me!

Viver a Palavra

Vou descobrir sinais de vida, onde a morte parece reinar.