Evangelho segundo S. João 10, 1-10
Naquele
tempo, disse Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que não entra no
aprisco das ovelhas pela porta, mas entra por outro lado, é ladrão e salteador.
Mas aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. O porteiro abre-lhe a
porta e as ovelhas conhecem a sua voz. Ele chama cada uma delas pelo seu nome e
leva-as para fora. Depois de ter feito sair todas as que lhe pertencem, caminha
à sua frente; e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Se for um
estranho, não o seguem, mas fogem dele, porque não conhecem a voz dos
estranhos». Jesus apresentou-lhes esta comparação, mas eles não compreenderam o
que queria dizer. Jesus continuou: «Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a
porta das ovelhas. Aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e salteadores,
mas as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta. Quem entrar por Mim será
salvo: é como a ovelha que entra e sai do aprisco e encontra pastagem. O ladrão
não vem senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que as minhas ovelhas
tenham vida e a tenham em abundância».
Caros amigos e amigas, na escalada do Tempo
Pascal, Jesus faz-nos experimentar uma especial declaração do seu amor,
convidando-nos a uma familiaridade íntima consigo… irresistível… impossível de
desperdiçar!
Interpelações da Palavra
Olhos de
quem ama
Pela pormenorizada escolha das imagens e sua
descrição, apercebemo-nos de como era fecundo o olhar de Jesus que decerto
tantas vezes se tinha detido perante os rebanhos e os pastores nos montes da
Galileia. Que olhar tão fundo! Que esperança nos nasce de saber que não somos
estranhos a este olhar, mas objectos da sua observação amorosa, que Ele nos
guarda no aconchego das suas pálpebras até nos deixar introduzir nas cavidades íntimas
do coração. Confirmamos que somos preciosos ao seu olhar. E não é um olhar
apressado, é um olhar de detalhes. Não é o olhar do ladrão que formula
estratégias de destruição, também não é o olhar do polícia avido de uma
repreensão, mas é o olhar apaixonado, sensível e solícito… é um olhar que nos conhece.
Pastor e
Porta
E é com este olhar que Jesus se apresenta como o
Pastor e a Porta… e também o Redil. Tudo se desenrola num contexto de
cumplicidades afectivas pela proximidade, pela voz, pelo olfacto, pelo
sentimento de mútua pertença, em que a palavra chave é conhecer. O maior desejo
dos nossos corações é sermos conhecidos. Aquele que ama conhece, acolhe
amplamente o milagre do outro, disponibiliza-lhe um átrio de liberdade não
limitado por preconceitos, abre-lhe uma passagem nunca impermeabilizada pelo
betume da desconfiança.
Jesus não é
apenas mais uma porta, Ele é a porta. Ele é a passagem, a abertura, a Páscoa,
brecha de luz, lugar onde a vida brota e se difunde em comunhão. Ele é o acesso
ao segredo, à intimidade divina. É também a liberdade que nos lança no desafio
de qualquer percurso. Atravessar Jesus é endereçar o
coração para a verdadeira vida, mas é também tornar-se porta aberta para os
irmãos, disponibilidade capaz de se deixar atravessar por muitas vidas!
Não qualquer
vida, mas vida em abundância
O Amor do Senhor não se contenta em nos preservar
uma vida qualquer, mas grangeia para nós uma vida em abundância. Vida não medida
nos espartilhamentos do tempo, não contabilizada por anos, abundante na
intensidade, acesa na ressurreição. Deus dá
sempre em demasia, cem vezes mais em irmãos, cestos a transbordar após saciar a
multidão, água insípida transformada no melhor vinho de Caná, ossos inanimados revigorizados,
pedra do túmulo rolada, perfume caro esbanjado, morte do Filho na cruz para
salvar o escravo. O Amor é sempre excessivo, abundante, exagerado; de contrário
não seria amor! Ser cristão é então uma experiência de vida, uma comunhão de
peregrinos da vida, companheiros de uma existência esbanjada, uns para os
outros. E Deus, com infinito amor, dá a eternidade ao que de mais belo trazemos
no coração. É a abundância do Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o
Mistério
Senhor, reconheço que às vezes
sou como ovelha errante, à procura de pastos apetecidos.
Hoje quero permanecer debaixo
do caudal dos teus olhos, saborear a doçura da tua atenção.
Quero expor-me à luz da tua
misericórdia, abrir-me ao teu dom, abrir-me ao dom dos outros.
Quero familiarizar-me com a
tua voz, veículo da Palavra que me recria, reconhecendo-a
entre as mil que me afogam a
audição. Não deixes de provocar e convidar a minha distração!
Agradeço-te pois, cada dia, és
acolhimento da minha errância, única Porta de acesso à vida!
Viver a Palavra
Vou
olhar com mais atenção e solicitude aqueles que vivem ao meu lado, como se me
fossem confiados.
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